Uma pergunta essencial

Anos depois, descubro uma pergunta essencial para mim e reparto.

Quando os pais brigam na frente de um filho, acredito que gerem, na cabeça dele, sem que ele se dê conta, a seguinte pergunta essencial:

- Serei eu filho ou filha de amor ou desamor?

Penso que esta pergunta é tudo que um filho deseja mesmo saber, como filho. (coloquem aí o gênero politicamente correto de agora em diante - filho, filha)

Se sou filho de amor entre os meus pais, minha existência começa, em princípio, a se justificar. Se sou filho de desamor, já começo errado e para que fui nascer? Quem me produziu não queria me produzir.

Tenho um grande amigo-irmão que, no seu processo de separação, adoeceu gravemente, para garantir que o processo fosse o mais amigável possível, de modo a não ferir a filha única do casal. Deu certo. Ele e a ex têm uma amizade maravilhosa, saem juntos, jantam juntos e ele eventualmente se hospeda na casa dela. Mais do que o elogio de "civilizado", ele merece o elogio de "inteligente". A filha não tem sequelas emocionais. Ela respondeu com certeza à pergunta essencial: sou filha do amor entre os meus pais. O amor acabou do jeito que começou, mas continua de outra maneira. Há que se elogiar também o comportamento da sua atual namorosa (namorada+esposa), que compreendeu tudo isso.

Quando um filho perde um dos pais, por ausência física ainda com vida ou por morte, ele perde a oportunidade de poder responder à pergunta essencial.

A criança adotada, mesmo sabendo que os pais adotivos se amam e que a amam, ficam com a pergunta essencial sem resposta: "Mas, afinal, fui gerado biologicamente por amor ou não?" Daí, creio, a curiosidade de irem atrás da família biológica - querem ver como era isso no princípio.

Mas a ausência paterna, por morte ou não, ou a adoção, não permite que essas pessoas possam formar um juízo sólido sobre a questão essencial. Elas, então, precisam se estruturar internamente, fortalecerem-se, por conta própria ou eventualmente com ajuda profissional.

As crianças de pais vivos e brigões ficam tentando descobrir, no meio do barraco armado, os sinais de amor entre eles.

Opino.