O Ritual do Mestre Secreto
Diz o ritual do grau 5 que Salomão, após a descoberta do corpo de Hiram Abiff, que havia sido enterrado pelos companheiros assassinos numa cova rasa no Monte Líbano, ordenou que o cadáver fosse trazido a Jerusalém, onde seriam realizadas a exéquias. Ordenou então ao inspetor das obras do Templo, Adonhiran, filho de Abdá, que preparasse os funerais do mestre, ao qual deveriam comparecer todos os obreiros com seus respectivos aventais e luvas brancas. Embalsamado, o corpo de Hiram foi colocado em uma urna postada no terceiro degrau do altar do Sanctum Sanctorum, onde recebeu a veneração de todos os obreiros e da população de Jerusalém.
Lembra ainda o ritual que o Grau do Mestre Perfeito tem por finalidade honrar a memória dos Irmãos, á qual se deve respeitoso culto. Esse grau, que é o quinto da chamada escala dos Graus Inefáveis, no Rito Escocês Antigo e Aceito, é conferido por comunicação, quando os Irmãos recebem o título de Prebostes eJuízes, títulos distintivos dos maçons elevados ao grau 7 do Rito Escocês. Assim, quando recebem este último grau, recebem também, por comunicação, os graus 5 (Mestre Perfeito) e 6 ( Secretário Íntimo).
Embora a liturgia desenvolvida no ritual do REAA seja quase inexistente, é possível perceber, pela composição da câmara do grau, pelas palavras e símbolos nele utilizados, que esse grau se destina a compor um importante papel no simbologia iniciática que está por traz do curioso drama da morte do arquiteto Hiran Abbif, a quem os maçons do REAA reverenciam como pai da maçonaria.
É evidente para os maçons que realmente conhecem a sua “arte”, que o drama de Hiran não é uma simples alegoria sem sentido que foi inventada para simbolizar uma passagem de grau. E que o mestre maçom conhecido por esse nome não é o Hiram da Bíblia, que trabalhou para o rei Salomão, fundindo as colunas de bronze do Templo de Jerusalém, bem como todas as obras desse metal que seriam utilizadas no culto.
Simbologia iniciática
O Hiram dos maçons não é um personagem histórico, mas sim um arquétipo, quiçá inspirado no artesão judeu-fenício que Hiran, o rei de Tiro, indicou para Salomão para fundir os artefatos de bronze do templo, mas que claramente representa um papel simbólico e iniciático na curiosa liturgia maçônica.
Hiran, na simbologia maçônica é o construtor do Templo de Deus, ou seja, o próprio cosmo, no sentido que ele representa. Ele representa o próprio Demiúrgo, que na teologia gnóstica e na tradição cabalística é o verdadeiro mestre-arquiteto do mundo, ou seja, o arcanjo mestre de uma confraria angélica conhecida pelo nome de Elohin.
Elohin fez o mundo e o homem á sua imagem, porém Elohin não é Deus, mas sim, uma assembléia de seres angélicos, manifestados a partir da ação de Deus no mundo da existência positiva.
A maçonaria simbólica e iniciática vê o mundo como se ele fosse um edifício cósmico, sendo construído a partir de um alicerce que são as leis naturais e preenchido e ornamentado com as leis morais e éticas que formam o arcabouço social, religioso e político da sociedade humana. É nesse sentido que ela cultiva, como arquétipos fundamentais da sua estranha liturgia, a figura mítica de Hiran Abiff e o Templo de Jerusalém, tendo o Rei Salomão como figura central nesse processo.
E a partir desses dois arquétipos ela desenvolve sua cadeia iniciática, mostrando que tanto o mundo da matéria (o universo físico) e e o mundo do espírito – o caráter do homem - se constroem pelo mesmo processo.
Num sentido, o Templo de Jerusalém é o símbolo do mundo que é construído, derrubado e reconstruído tantas vezes quantas for necessário, para que um dia, o espírito humano encontre um lugar ideal para cultuar o Princípio Único que rege a vida do universo. E nesse Templo, que é o próprio cosmo, finalmente o universo encontrará o seu definitivo equilíbrio, com o espírito humano fundindo-se, afinal com Aquele que o gerou. Tal é a escatologia da maçonaria na sua liturgia simbólica e iniciática, que em sua formula estrutural se inspira na arquitetura cabalística do mundo, pois esta, centrada na Árvore da Vida, também concebe o universo como sendo um edifício que é construído em sucessivas etapas de manifestação da energia criadora, distribuída pelas suas séfiras.
Nesse processo, surge sempre a necessidade do sacrifício. A simbologia do sacrificado é um arquétipo que habita o inconsciente da humanidade desde a mais remota antiguidade. James Fraser, em seu trabalho clássico “O Ramo de Ouro”, nos mostra como essa simbologia atuava no inconsciente dos povos primitivos, fazendo dos seus míticos heróis e deuses, uma espécie de oferenda que eles faziam para que os Poderes que regem a vida cósmica os favorecessem e dessem seu patrocínio á organização das suas sociedades.
O simbolismo do sacrificado
É dessa forma que todo grande empreendimento humano tinha que ter o seu deus, o seu herói, o seu “sacrificado”, para que a Divindade a ele desse seu patrocínio. Essa arquetipia teve seu simbolismo aplicado até na história da fundação do povo de Israel, quando Abraão foi concitado a oferecer seu próprio filho Isaque em holocausto á Jeová. No caso de Abraão o sacrifício acabou sendo simbólico, pois Jeová destinava Isaque para missão mais importante, ou seja, dar nascimento ao povo escolhido, mas o episódio, em si mesmo, é uma clara referência a esse curioso simbolismo iniciático que os antigos povos cultivavam.Ela se repetiria mais tarde no na história de Jesus, cuja morte é tida como um sacrifício feito pela salvação da humanidade.
A maçonaria encontrou em Hiran Abiff o seu “sacrificado”. Não há, na Bíblia nem em qualquer outro documento antigo qualquer referência ao assassinato de Hiran, o fundidor das colunas e dos artefatos de bronze do templo de Jerusalém, nem que esse personagem fosse, aliás, arquiteto. O episódio todo, conforme representado na maçonaria, é claramente uma teatralização deliberadamente forjada para simbolizar, primeiro que o universo físico e espiritual é construído através das mesmas fórmulas; segundo que a humanidade, tal como o Templo de Salomão, é submetida a um processo de ascensão e quedas ates encontrar seu destino final, e terceiro que toda obra deve ser consagrada, através de um sacrifício ao Princípio Único que rege a vida do universo. Esse sacrifício, que no passado foi literal mesmo, pela oferta de uma vida, hoje é simbólico, mas continua sendo necessário para que a obra seja abençoada.
É nesse sentido que o caráter do homem maçônico, forjado na elevação do companheiro para mestre, alcança aí, o limite da perfeição simbólica, razão pela qual o grau se chama “ O mestre perfeito”.
Evidentemente trata-se de um mero simbolismo que não pode ser tomado no seu sentido literal, pois se assim for estaremos incorrendo numa grosseira manifestação de arrogância que não seria própria da maçonaria. O que se quer dizer aqui é que a obra se completa pelo sacrifício do caráter profano do iniciado, simbolizado na morte de Hiran Abiff.
Inspiração histórica
Todavia, a liturgia desenvolvida nos graus inefáveis, especialmente os graus 4 e 5, que se referem aos funerais do Mestre Hiran, não têm apenas fundamentos simbólicos e iniciáticos, mas integram também tradições históricas cultivadas pelos antigos povos. Essas tradições se referem ao respeito que devia ser prestado ao corpo do “sacrificado”, ou daqueles a quem o povo atribuísse papel significativo na organização de suas sociedades. Essas tradições eram observadas principalmente em Grécia e Roma com seus cultos aos ancestrais e a complicada liturgia egípcia em relação ao culto que se prestava aos mortos.
Assim, a estranha liturgia que se desenvolve nesses graus se destina, como diz o ritual, a preservar essas tradições, pois povo que não as cultiva é povo sem alicerce básico.
Assim, o simbolismo dessa alegoria recorda a necessidade de serem cumpridas as tradições. Os deuses exigem fidelidade ao que foi determinado. Nada se cumpre, nada se realiza sem o devido ritual. Por isso a obra máxima da literatura egípcia é exatamente a crônica ritualística da preparação do defunto para sua viagem pela Tuat, a terra intermediária entre a existência humana e a sua transformação final em espírito.
Na religião egípcia, o morto que não tivesse sepultura digna e não fosse submetido aos devidos rituais, não tinha direito ao julgamento de Osíris nem podia aspirar á devida regeneração propiciada por aquele deus. .
Por isso é que na adaptação maçônica dessa tradição, Salomão cuida de dar a devida sepultura ao Mestre Hiran e cumprir os rituais exigidos, porque sem essas providências, o processo de simbiose espiritual entre o arquiteto sacrificado e os mestres elevados não se realizaria.
__________________________________
[1] Conforme descrito no Livro dos Mortos, coletânea de hinos ritualísticos compostos para serem cantados durante as cerimônias fúnebres.
[2] Para mais informações sobre o simbolismo iniciático desses graus veja-se a nossa obra “Conhecendo a Arte Real”, publicada pela Editora Madras.
Diz o ritual do grau 5 que Salomão, após a descoberta do corpo de Hiram Abiff, que havia sido enterrado pelos companheiros assassinos numa cova rasa no Monte Líbano, ordenou que o cadáver fosse trazido a Jerusalém, onde seriam realizadas a exéquias. Ordenou então ao inspetor das obras do Templo, Adonhiran, filho de Abdá, que preparasse os funerais do mestre, ao qual deveriam comparecer todos os obreiros com seus respectivos aventais e luvas brancas. Embalsamado, o corpo de Hiram foi colocado em uma urna postada no terceiro degrau do altar do Sanctum Sanctorum, onde recebeu a veneração de todos os obreiros e da população de Jerusalém.
Lembra ainda o ritual que o Grau do Mestre Perfeito tem por finalidade honrar a memória dos Irmãos, á qual se deve respeitoso culto. Esse grau, que é o quinto da chamada escala dos Graus Inefáveis, no Rito Escocês Antigo e Aceito, é conferido por comunicação, quando os Irmãos recebem o título de Prebostes eJuízes, títulos distintivos dos maçons elevados ao grau 7 do Rito Escocês. Assim, quando recebem este último grau, recebem também, por comunicação, os graus 5 (Mestre Perfeito) e 6 ( Secretário Íntimo).
Embora a liturgia desenvolvida no ritual do REAA seja quase inexistente, é possível perceber, pela composição da câmara do grau, pelas palavras e símbolos nele utilizados, que esse grau se destina a compor um importante papel no simbologia iniciática que está por traz do curioso drama da morte do arquiteto Hiran Abbif, a quem os maçons do REAA reverenciam como pai da maçonaria.
É evidente para os maçons que realmente conhecem a sua “arte”, que o drama de Hiran não é uma simples alegoria sem sentido que foi inventada para simbolizar uma passagem de grau. E que o mestre maçom conhecido por esse nome não é o Hiram da Bíblia, que trabalhou para o rei Salomão, fundindo as colunas de bronze do Templo de Jerusalém, bem como todas as obras desse metal que seriam utilizadas no culto.
Simbologia iniciática
O Hiram dos maçons não é um personagem histórico, mas sim um arquétipo, quiçá inspirado no artesão judeu-fenício que Hiran, o rei de Tiro, indicou para Salomão para fundir os artefatos de bronze do templo, mas que claramente representa um papel simbólico e iniciático na curiosa liturgia maçônica.
Hiran, na simbologia maçônica é o construtor do Templo de Deus, ou seja, o próprio cosmo, no sentido que ele representa. Ele representa o próprio Demiúrgo, que na teologia gnóstica e na tradição cabalística é o verdadeiro mestre-arquiteto do mundo, ou seja, o arcanjo mestre de uma confraria angélica conhecida pelo nome de Elohin.
Elohin fez o mundo e o homem á sua imagem, porém Elohin não é Deus, mas sim, uma assembléia de seres angélicos, manifestados a partir da ação de Deus no mundo da existência positiva.
A maçonaria simbólica e iniciática vê o mundo como se ele fosse um edifício cósmico, sendo construído a partir de um alicerce que são as leis naturais e preenchido e ornamentado com as leis morais e éticas que formam o arcabouço social, religioso e político da sociedade humana. É nesse sentido que ela cultiva, como arquétipos fundamentais da sua estranha liturgia, a figura mítica de Hiran Abiff e o Templo de Jerusalém, tendo o Rei Salomão como figura central nesse processo.
E a partir desses dois arquétipos ela desenvolve sua cadeia iniciática, mostrando que tanto o mundo da matéria (o universo físico) e e o mundo do espírito – o caráter do homem - se constroem pelo mesmo processo.
Num sentido, o Templo de Jerusalém é o símbolo do mundo que é construído, derrubado e reconstruído tantas vezes quantas for necessário, para que um dia, o espírito humano encontre um lugar ideal para cultuar o Princípio Único que rege a vida do universo. E nesse Templo, que é o próprio cosmo, finalmente o universo encontrará o seu definitivo equilíbrio, com o espírito humano fundindo-se, afinal com Aquele que o gerou. Tal é a escatologia da maçonaria na sua liturgia simbólica e iniciática, que em sua formula estrutural se inspira na arquitetura cabalística do mundo, pois esta, centrada na Árvore da Vida, também concebe o universo como sendo um edifício que é construído em sucessivas etapas de manifestação da energia criadora, distribuída pelas suas séfiras.
Nesse processo, surge sempre a necessidade do sacrifício. A simbologia do sacrificado é um arquétipo que habita o inconsciente da humanidade desde a mais remota antiguidade. James Fraser, em seu trabalho clássico “O Ramo de Ouro”, nos mostra como essa simbologia atuava no inconsciente dos povos primitivos, fazendo dos seus míticos heróis e deuses, uma espécie de oferenda que eles faziam para que os Poderes que regem a vida cósmica os favorecessem e dessem seu patrocínio á organização das suas sociedades.
O simbolismo do sacrificado
É dessa forma que todo grande empreendimento humano tinha que ter o seu deus, o seu herói, o seu “sacrificado”, para que a Divindade a ele desse seu patrocínio. Essa arquetipia teve seu simbolismo aplicado até na história da fundação do povo de Israel, quando Abraão foi concitado a oferecer seu próprio filho Isaque em holocausto á Jeová. No caso de Abraão o sacrifício acabou sendo simbólico, pois Jeová destinava Isaque para missão mais importante, ou seja, dar nascimento ao povo escolhido, mas o episódio, em si mesmo, é uma clara referência a esse curioso simbolismo iniciático que os antigos povos cultivavam.Ela se repetiria mais tarde no na história de Jesus, cuja morte é tida como um sacrifício feito pela salvação da humanidade.
A maçonaria encontrou em Hiran Abiff o seu “sacrificado”. Não há, na Bíblia nem em qualquer outro documento antigo qualquer referência ao assassinato de Hiran, o fundidor das colunas e dos artefatos de bronze do templo de Jerusalém, nem que esse personagem fosse, aliás, arquiteto. O episódio todo, conforme representado na maçonaria, é claramente uma teatralização deliberadamente forjada para simbolizar, primeiro que o universo físico e espiritual é construído através das mesmas fórmulas; segundo que a humanidade, tal como o Templo de Salomão, é submetida a um processo de ascensão e quedas ates encontrar seu destino final, e terceiro que toda obra deve ser consagrada, através de um sacrifício ao Princípio Único que rege a vida do universo. Esse sacrifício, que no passado foi literal mesmo, pela oferta de uma vida, hoje é simbólico, mas continua sendo necessário para que a obra seja abençoada.
É nesse sentido que o caráter do homem maçônico, forjado na elevação do companheiro para mestre, alcança aí, o limite da perfeição simbólica, razão pela qual o grau se chama “ O mestre perfeito”.
Evidentemente trata-se de um mero simbolismo que não pode ser tomado no seu sentido literal, pois se assim for estaremos incorrendo numa grosseira manifestação de arrogância que não seria própria da maçonaria. O que se quer dizer aqui é que a obra se completa pelo sacrifício do caráter profano do iniciado, simbolizado na morte de Hiran Abiff.
Inspiração histórica
Todavia, a liturgia desenvolvida nos graus inefáveis, especialmente os graus 4 e 5, que se referem aos funerais do Mestre Hiran, não têm apenas fundamentos simbólicos e iniciáticos, mas integram também tradições históricas cultivadas pelos antigos povos. Essas tradições se referem ao respeito que devia ser prestado ao corpo do “sacrificado”, ou daqueles a quem o povo atribuísse papel significativo na organização de suas sociedades. Essas tradições eram observadas principalmente em Grécia e Roma com seus cultos aos ancestrais e a complicada liturgia egípcia em relação ao culto que se prestava aos mortos.
Assim, a estranha liturgia que se desenvolve nesses graus se destina, como diz o ritual, a preservar essas tradições, pois povo que não as cultiva é povo sem alicerce básico.
Assim, o simbolismo dessa alegoria recorda a necessidade de serem cumpridas as tradições. Os deuses exigem fidelidade ao que foi determinado. Nada se cumpre, nada se realiza sem o devido ritual. Por isso a obra máxima da literatura egípcia é exatamente a crônica ritualística da preparação do defunto para sua viagem pela Tuat, a terra intermediária entre a existência humana e a sua transformação final em espírito.
Na religião egípcia, o morto que não tivesse sepultura digna e não fosse submetido aos devidos rituais, não tinha direito ao julgamento de Osíris nem podia aspirar á devida regeneração propiciada por aquele deus. .
Por isso é que na adaptação maçônica dessa tradição, Salomão cuida de dar a devida sepultura ao Mestre Hiran e cumprir os rituais exigidos, porque sem essas providências, o processo de simbiose espiritual entre o arquiteto sacrificado e os mestres elevados não se realizaria.
__________________________________
[1] Conforme descrito no Livro dos Mortos, coletânea de hinos ritualísticos compostos para serem cantados durante as cerimônias fúnebres.
[2] Para mais informações sobre o simbolismo iniciático desses graus veja-se a nossa obra “Conhecendo a Arte Real”, publicada pela Editora Madras.