Eu queria escrever.

Eu olhei pra minha agenda e pensei "nossa, eu poderia fazer um diário". Sim, um diário na minha idade. Aquela coisa bem moça velha que ficou pra titia que relata como o cara do café colocou chantilly a mais no seu chocolate quente. Eu queria escrever um diário. Abri a agenda, peguei a caneta, bati as unhas na mesa. Não saiu nada. Relatar o quê, se nem o rapaz do café coloca chantilly a mais no meu chocolate quente? Eu queria falar do meu dia e de como eu vejo as coisas no mundo e sobre quem eu sou no mundo, mas eu continuo pensando no meu chocolate quente com pouco chantilly. Eu poderia escrever sobre política. Eu realmente gosto de política. Eu gosto mesmo de política, o suficiente pra conseguir escrever sobre política. Mas escrever sobre política num diário não se encaixa bem no entendimento que eu tenho sobre diário. Eu queria escrever um diário. Perguntei da minha amida do trabalho se ela tinha ideia de algum assunto para escrever, ela respondeu com a pergunta "mas você quer falar de quê?", eu queria ter dito "de mim, eu quero escrever sobre mim", mas preferi ficar calada. Um diário, imaginem. Eu preciso mesmo escrever sobre meus amores fracassados, meus sexos casuais com caras sem importância, minha vida corrida, mas sem agito. Eu poderia escrever sobre isso. Mas isso faria do meu diário o quê? Uma espécie de 50 Tons de Cinza falido? Eu poderia mentir. E poderia falar de amor como se acreditasse nisso, as pessoas gostam de ler sobre o amor. Conforta a alma, dizem. Não que eu queira que as pessoas lessem meu diário, afinal, isso também não se encaixa bem no entendimento que eu tenho sobre diário. A minha vida não é interessante pra ser escrita num diário. Mas o que tem de interessante na vida de uma garota de 11 anos que escreve diários sem fim? Quando eu tinha 11 anos, minha vida também não era tão interessante pra ser escrita, eu sempre achei que com 15 anos, tudo mudaria e eu seria uma pessoa cheia de histórias pra contar e escrever. Eu passei dos quinze há um tempinho e continuo me preocupando com o meu chocolate quente com pouco chantilly. Eu poderia, um dia desses, escolher minha melhor roupa, colocar o sapato mais alto, me virar do avesso e me reinventar, chegar pro carinha gato do café, pedir mais chantilly no meu chocolate quente. Quero ver se ele vai negar. E depois disso, eu até poderia chamá-lo pra sair ou vir na minha casa, me dessarumar e passar a dose extra de chantilly em mim e, bem, assim, talvez, mas só talvez, eu tivesse alguma coisa pra escrever no meu diário.

A B Queiroz
Enviado por A B Queiroz em 03/01/2013
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