“Abraçologia”
Fico espantado com o dinamismo da vida; num instante está tudo de um jeito, noutro instante está tudo de outro jeito. Provei isso há alguns dias atrás quando em uma terça-feira conheci a Telma e sua filha Tatiana. Como missionário uma de minhas atribuições é fazer visitas, confesso que às vezes as faço para cumprir o “dever”, no entanto, dessa vez foi diferente. Encontrei uma linda menina que tinha acabado de completar seus doze anos na UTI. Uma menina que esperava ansiosamente seu aniversário. Encontrei também uma mãe desesperada diante da situação da filha, uma mãe que há mais de um mês vinha sendo torturada pelo medo, pela dor e pela solidão; uma mãe que não ligava para a roupa que eu estava vestindo, para meu corte de cabelo, se eu falava difícil, para “meus” programas igrejeiros, na verdade, ela não ligava para nada a não ser para minha presença ali, ao seu lado, segurando sua mão e dizendo que tudo acabaria bem.
Pois é! Mas não acabou bem. Na sexta-feira dia 30 de novembro, após longas semanas de orações e suplicas a Tatiana morreu. Ainda lembro o instante em que recebi a notícia de sua morte. Toda minha expectativa de conhecê-la além daquele hospital fora embora. Fiquei abalado simplesmente porque a tragédia não é a norma, se fosse, ela não seria notícia. Os acontecimentos desses últimos dias serviram para me por contra a parede e me perguntar: Qual é sua vocação afinal? Não somente como missionário, mas como ser humano. E nesses tortuosos dias tenho lembrado as palavras de Desmond Tutu quando disse que “uma pessoa só é uma pessoa por intermédio de outras pessoas”. Essa verdade me fez perceber que eu não estava sendo uma pessoa e muitas “Telmas” também não, pelo simples fato de estarem sendo privadas da pessoa que eu deveria ser. Tenho tentado correr atrás, não vou falar aqui o que fiz ou deixei de fazer, pois isso não é meritório até porque “ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos [...], ainda que eu tenha o dom de profecia e sabia todos os mistérios e todo o conhecimento, e tenha uma fé capaz de mover montanhas [...], ainda que eu dê aos pobres tudo o que possuo e entregue meu corpo para ser queimado, se não tiver amor, nada disso me valerá” (1 Coríntios 13.1-3). Então, não tenho interesse algum de passar a imagem que me tornei o cara mais solidário do mundo, isso não seria verdade, quero apenas dizer para mim mesmo que não acredito no amor de outra maneira a não ser como atitudes que são demonstradas em prol do outro.
A verdade é que eu nem sei direito porque estou escrevendo, apenas quis escrever, talvez para poder deixar registrado e ser lembrado mais a frente o que estou sentindo agora. Ser lembrado que não faz sentido pensar grandes coisas, pensar o futuro e se preocupar com tudo o que eu me preocupo sendo que nesse exato momento existem muitas “Tatianas” por ai e muita gente que não consegue enxergar Deus por causa da intensidade do seu sofrimento. Ser lembrado que “aqui!” deveria ser a única resposta para alguém que se pergunta: “onde está Deus?”. Até porque Deus não está em outro lugar a não ser em nós (Lucas 17.21; João 14. 16, 23; 17. 21, 23, 26; 1 Coríntios 3. 16,17). Ser lembrado que é hora de parar de falar sobre Deus e começar a mostrar Deus. Deixar de falar sobre Deus e ser a própria voz Deus, assim também, como ser Seus olhos, braços e pernas, de maneira que os que sofrem não precisem procurá-lo em outro lugar, pois se assim formos, Ele estará concreta e pessoalmente em todos os lugares.
Tenho ouvido e falado muito sobre ser discípulo de Jesus. E o que é ser discípulo se não ser parecido com seu Mestre? Até que ponto temos nos parecido com Jesus? Se pararmos para analisar a trajetória de Jesus vamos perceber que a maior parte de seu caminho foi trilhado as margens se encontrando com leprosos, cegos, possessos, mulheres de índole duvidosa, enfermos, “Telmas” e seus lutos e com todo tipo de gente marginalizada. Mas e nós por onde temos traçado nosso caminho? O caminho da multidão que segue a Jesus não é outro a não ser o caminho que cruza com a tragédia, com a dor e com a morte (Lucas 7.11). É a multidão que é conduzida pelo Senhor da vida, que se encontra com a multidão que é conduzida pela morte. Não basta dizer que “Jesus vê”, que “Jesus está presente”, que “Jesus irá resolver”, não, o chamado do evangelho é dizer “porque Jesus vê, eu vejo”, “porque Jesus está presente. eu estou presente”, “Jesus resolve, eu resolvo”.
Enfim, sou lembrado ainda que a fé que professo não é uma fé que fica olhando para cima (Atos 1.10,11), mas que olha para frente caminhando na promoção do Reino de Deus, até que Sua vontade seja feita aqui na terra como é feita lá no céu (Mateus 6.10).
E isso só irá acontecer se falarmos menos com os lábios e mais com os braços, afinal, as melhores palavras não são ditas com os lábios, mas sim com os braços.