A estante dos sonhos.
Ele andava pela rua sem pressa. Cabelos embranquecendo, suas juntas já uivando fora de hora. Devia estar chegando aos 55 anos. Pensava no que havia feito nessa vida. Família, trabalho, área espiritual. Tudo tentava se colocar no lugar, mas sua mente tão arredia teimava em fazer troça dessa vontade de ser uma pessoa como outra qualquer. Desde menino levava na sua alma esse desejo, nunca efetivamente concretizado: ser como os demais. Coisa simples para todos, mas para ele, não. Parecia que havia nascido com uma maldição de que tudo o que fizesse fosse de pé quebrado, mesmo que tenha se esforçado ao máximo para dar certo. Nessa vida manca, onde as desavenças e topadas se faziam sempre gritantes, ele tem sido guerreiro. Mesmo com tantos ventos soprando torto, mesmo percebendo que para o mundo ele não passava de um errante, um Zé Mané que não valia tostão furado, não desistia. Quando se via morno, sem gás pra tocar sua vida, eis que surge do nada algo que lhe dá novo crédito, novo empurrão para mais uma empreitada, que certamente seria enrouquecida pelas páginas douradas do fracasso. Um fracasso doído, que choraria sua dor bem fundo, ao lado da tantos outros sempre expostos na sua estante de sonhos. Não tinha fé nem em Deus, nem em mais nada. Por vezes se surpreendia rezando, mas era para uma parede vazia, para algum recanto oco dos céus, para o vazio de um peito já por demais calejado e cansado. Nessa cruzada errante não havia mais espaço para a ilusão de um mar menos revolto, menos desafinado, menos aguado. Agora ele se fartou de tentar em vão pousar numa varanda menos fria e encardida. Agora ele se fartou de mergulhar sempre no mesmo disco arranhado, que sempre volta para o mesmo ponto da canção. Chega de tanto desatino, tanta embromação, tanta frustração. Ele agora está jogando suas toalhas de vez. O fim finalmente despontou no horizonte.
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