A cultura e a linguagem híbridas do Brasil em Gilberto Freyre

Já ditado por muitos teóricos internacionais, Freyre (1998) destaca o hibridismo cultural da vida brasileira desde o tempo da escravatura.

Enfatiza-se, nesse ensaio, que os traços culturais da linguagem e da sexualidade latino-americana estão em sua visão localista em Casa grande & senzala.

Especificamente, endossa-se o fato de que as amas-de-leite negras ou de diversas origens da África amolecerem a linguagem crioula na experiência colonial e coloquial no cotidiano do Brasil, quando ainda a maior parte da população residia na região rural.

O modus vivendi peculiar da escravidão revelam aspectos curiosos na pesquisa do grande historiador na sociedade patriarcal, vol. 1.

O Brasil vivenciara fortes momentos de aculturação da cristandade, do padroado, da exploração do pau-brasil, as minas, as visitas do Tribunal do Santo Oficio (dito, inquisição) ao Brasil colônia, a vida e costumes nas capitanias.

O autor visualiza hábitos bizarros e antagônicos decorrentes de diferentes trocas culturais, desiguais em seu modo de ocorrer em vasto território da colônia. A presença dominante do português, a submissão de negros e índios. Trata-se de aprofundar a dicotomia entre a hegemonia da Casa grande versus a subalternidade da Senzala, lócus privilegiado de sincretismo, sifinização da cultura brasileira em seus vários matizes existencial, filosófico e comerciário. Consciente das desigualdades sociais gritantes desde o colonialismo, Freyre se fez crítico da história do Brasil. Mostrou a imagem de um pais pobre, explorado, híbrido, mestiço ou crioulo, cheio de contradições e desigualdades regionais e culturais, constituindo-se em um engendramento elegante e agressivo, impulsivo e conservador na paradoxal formação do povo brasileiro.

Outro elemento destacado em sua descrição é a transformação dessa sociedade escravocrata, híbrida e agrícola com sérias e rigorosas consequências afetivas, linguísticas e sexuais na vida tradicional da família brasileira colonial.

A força centralizadora e ideológica do português e as conotações de uma sexualidade negra em vigor são analisadas como contradição social e econômica no latifúndio e nas monoculturas como irradiações do engenho e sua riqueza e sifinização. A condição de existência do brasileiro como híbrido e marginalizada da Europa como viés do etnocentrismo e catolicismo faz de uma visão negativa dos trópicos e a contradição de sobrevivência de colonos fora do “status quo” , a que estava imbuída a doutrinação e catequização dos padres jejuitas como estratégias de ascensão de populações nativas e autóctones frente ao poder europeizante.

Ser brasileiro era ser produto cultural de uma colônia pobre e exótica, similar das demandas asiáticas e africanas, mero fator de endosso e repetição da imposição econômica dos países tidos superiormente civilizados do primeiro mundo.

Ser brasileiro era aderir ao pacto colonial e se submeter à metrópole e suas necessidades. Era deixar-se catequizar. Era vivenciar o “amolecimento dos aspectos hostis da vida brasileira” rude na língua híbrida entre o tupi, os idiomas negros e o português.

O samba representa uma construção histórica tardia de outros estilos e canções populares deslocados ao morro. A música popular brasileira é palavra de ordem na pena de Freyre. A musica foi fator de hibridismos complexos e símbolo da brasilidade até Villa-Lobos.

Com a modernidade, os antigos prédios caem para ceder ao moderno europeu em vigor em nome do progresso da nação e deslocamento das populações pobres à periferia dos centros urbanos mais importantes do Brasil.

Ainda visualizo algumas páginas que minha leitura me fez me deter mais para focar a linguagem e a sexualidade do Brasil colonial: veja p. 318 (“A sífilis fez sempre o que quis no Brasil patriarcal”), o exotismo das palavras como heranças de diversos grupos na p. 333; a crueldade das brasileiras escravocratas e a violência contra as negras e amantes de seus esposos ou noivos em p.338;as brincadeiras e jogos infantis no engenho e a peraltices contra os negrinhos subordinados aos donozinhos perversos em p. 429; a força dos apelidos em p. 452...

Destas paisagens e entretextos podem-se inferir coisas interessantes sobre a cultura e a linguagem híbridas do Brasil.

Vale a pena ler Casa Grande & Senzala (1998).