O Chefe do Estado é Índio

 
A primeira definição de “estado” no Brasil, vem da época do Estado Colonial Português, caracterizado pelo autoritarismo e pela centralização. Neste tipo de estado, os bens públicos eram usufruídos por poucos que detinham o poder, as trocas e os favores. Os cargos e o dinheiro público eram utilizados como patrimônio particular dos governantes.
Este “estado colonial português”, marcou um período tipicamente patrimonalista.
Neste modelo, a administração pública era uma mera extensão do poder soberano a que ele servia. Os envolvidos, recebiam tratamento de nobreza real.
Os cargos públicos eram almejados, pois representavam pouco trabalho e renda alta e garantida, além do status característico. Também eram objetos de barganha, de interesses particulares e eram oferecidos indiscriminadamente a familiares e amigos.
Da mesma forma, não havia diferenciação entre os bens pessoais e os bens públicos.
Além de manter a população alheia às decisões do governo, usar os bens públicos como se fossem pessoais e desconhecer os princípios democráticos, o sistema patrimonalista visava, ainda, manter no poder e preservar os interesses da minoria que comandava o Brasil.
Graças a Deus que isto mudou!
Mudou?
Séculos depois, o Brasil ainda persiste em determinadas regras e comportamentos tipicamente patrimonalistas.
O descaso dos eleitos legitimamente por um povo que acredita em quase tudo, até na honestidade da maioria das propagandas políticas, é talvez, a maior herança deste tipo arcaico de administração.
Agora, o que mudou mesmo foi a roupagem, a maquiagem.
Hoje, vários termos técnicos e pomposos, fazem parte do vocabulário da administração pública, em uma tentativa esdrúxula de explicar o inexplicável: corrupção, nepotismo, falsidade, desvios, falácias, mentira, impunidade.
Tudo bonitinho.
Tudo com explicação sem pé nem cabeça.
Até dinheiro em cueca, sapato, melão, tem explicação. Daquelas que se enfia goela abaixo e somos obrigados a transformar em piada ou em úlcera de indignação. A escolha é nossa.
Continuamos servis e submissos. A maioria, crente que seus interesses estão bem administrados pela “minoria que comanda o Brasil”, se curva risonha e resignada às besteiras propagadas sem pudor pelos caras-de-madeira país afora.
Submissão, tratamento diferenciado, medo travestido de respeito, nada mais são do que resquícios de épocas dos senhores de engenho, do coronelismo e do “doutor” que mandava e desmandava em um poder usurpado ou herdado de pais e avós tão poderosos quanto e sem origem conhecida.
O comportamento tipicamente do Estado Colonial é facilmente detectável no sorriso de complacência e na passividade com que recebemos as notícias mais grotescas, que vão desde salários absurdos a desvios de verbas essenciais como as da educação e saúde, como se fossem piadas (sem graça alguma) contadas depois de muita cachaça na mesa de um bar.
Mas foi apenas uma fase.
Será?
O fato é que um dia algum “expert” no assunto, resolveu que o estado colonial estava defasado, e assim como acontece com muitas ideias brilhantes, a administração pública deu um salto e passamos a viver o “Estado Burocrático”.
Esta forma de administrar o poder público, visava entre outras coisas, a racionalidade, a criação e o cumprimento de leis. Buscava, ainda o combate à corrupção e ao nepotismo patrimonalista.
Sim, é verdade que muita coisa mudou. O Estado traçou metas, investiu na profissionalização, na carreira, na hierarquia funcional, na impessoalidade e na padronização de procedimentos.
Uma administração baseada em leis e pela aplicação delas, permitindo assim o rompimento do vínculo com o Estado soberano que já não ditava as normas, pois também estava submetido à elas.
A outra grande questão é: quanto disso realmente é visível na prática?
A desburocratização existiu, é fato, mas ainda nos contentamos em esperar por noventa dias por um documento público de dez linhas, em esperar na fila para pegar a senha da fila e depois entrar na fila.
Ainda precisamos que nos contentar com prazos processuais absurdos e achar que cento e oitenta dias é algo comum para a resolução de um conflito simples.
Ainda temos que entender porque a lei que é aplicada para um ‘zé ruela” qualquer não é a mesma aplicada para...  o senhor do engenho?
Ou ainda achamos graça quando alguém tenta nos explicar que a lei existe, mas existe a lei que trata da lei e que está submetida a outra lei... ou... sei lá, acabei me perdendo!
O Estado Burocrático também não funcionou. Talvez tenha evoluído ou quem sabe se transformado, o fato é que em pouco tempo se materializou sob um novo modelo: o gerencial.
Eficiência e redução de custos da máquina do Estado atrelada à qualidade dos serviços públicos.
Lindo! Bonito de dizer e de ouvir!
Funciona?
Parcialmente sim.
Com potencial, método, processos e muita inteligência, o modelo gerencial foi amplamente discutido por quem realmente conhecia do assunto. O grande problema é que quem tinha (e tem) que executar tal projeto desconhece parcialmente ou ignora que ignora do que se trata. Mais ou menos como pedir para um índio que nunca saiu da selva, criar uma página no facebook. Complicado.
O sistema gerencial exige a transformação de vários aspectos engessados na máquina pública: sistema de remuneração, carreiras, estabilidade, deficiência de um banco de dados padronizado, ocupação de cargos e funções por indicações e não por mérito, nepotismo, verticalização da hierarquia dentre outros.
É preciso a mudança destes procedimentos, antes de qualquer tentativa de se implantar “métodos modernos de gestão”.
A falta de alinhamento com as áreas envolvidas, o desenvolvimento de projetos que atendam necessidades e não egos, administrar os bens (e o dinheiro) público com a real transparência, primar pela verdade e pela aplicação de leis (doa a quem doer), tratar a megalomania e extirpar a falta de respeito e de cidadania, são passos básicos e indiscutíveis para qualquer gestão correta, desde a administração de uma casa, que dizer do Estado.
Mas justiça seja feita, mesmo que na grande parcela das casas de ferreiro, o espeto seja feito de pau.
Temos boas leis, o que falta é cumprimento estrito delas.
Temos pessoas engajadas, informadas, dedicadas e honestas que ainda acreditam na máquina pública e trabalham por ela, independentemente do poder, do status, do teto remuneratório ou das falcatruas tão comuns no dia a dia da TV. Falta dar voz a elas, falta acreditar nelas, se tornarem conhecidas, serem ouvidas, exploradas, mostradas. Porque na parafernália da divulgação dos supostos líderes, o que manda mesmo é a moeda do senhor do engenho.
Sei lá, acho que estou meio azeda, meio indignada com o índio que ainda não conseguiu fazer a página do facebook mas já foi promovido a CEO da microsoft.
Quem sabe daqui a alguns anos tenhamos um novo modelo de gestão. Quem sabe saiamos finalmente do patrimonalismo, do paternalismo, da burocracia disfarçada e da mal compreendida gestão moderna e entremos em um novo modelo.
Coisa simples mesmo, algo do tipo: integridade, transparência, responsabilidade, competência e respeito dentre outras “virtudes”. Coisa que até um tempo atrás se chamava caráter.
Até lá, vamos levando.
Tenho que acreditar!
Até Peter Pan acreditava, por que eu não posso?
Enquanto isso, vou lá dar uma palavrinha com o índio, quem sabe ele não me ensina alguma coisa.



 Imagem: google.
Edeni Mendes da Rocha
Enviado por Edeni Mendes da Rocha em 06/07/2012
Reeditado em 06/07/2012
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