Milagres Tecnológicos
Estes são dias de milagres e maravilhas”, diz Paul Simon em sua música. Ele fala, deslumbrado, deste nosso século de descobertas maravilhosas, do garoto que sobrevive em uma bolha de plástico.
Arthur Clarke, autor de “2001 – uma odisséia no espaço”, disse que: “Qualquer tecnologia que seja desenvolvida o suficiente é igual à mágica”. Quando não compreendemos como algo funciona, apelamos para o misticismo, para a magia. Paul Simon não deve ter muito tempo para ficar verificando como funciona um telescópio que alcança uma outra constelação e, sendo um artista, prefere fantasiar a tecnologia, falando em milagre e mágica.
Neste momento, eu mesmo utilizo um desses “milagres”: a máquina na qual escrevo este texto, o qual, ao terminar, enviarei pelo espaço cibernético para outro computador, que o colocará disponível para leitores (potencialmente) do mundo todo. Sem papel, sem correio convencional. Não preciso envelopar, selar e esperar a agência abrir. Envio hoje, mesmo se fosse feriado.
Fico pensando se não foi uma sensação semelhante àquela que teve o homem que inventou a roda: “Puxa vida, de agora em diante vou poder carregar objetos pesados sem fazer muita força! Que potencial tem esse invento!”
A tecnologia sempre fascinou os seres humanos ao longo da história, como se sabe. Sempre acreditamos ingenuamente que melhoraríamos a nossa qualidade de vida com ela.
Acho, no entanto, que essa ingenuidade tem um preço. O preço que pagamos é acreditar que nosso avanço tecnológico vai nos salvar e que por isso podemos fazer não importa o quê, pois logo aparecerá um invento que resolverá o problema.
Assim, podemos poluir o Planeta, porque logo ele será purgado de todas as suas toxinas com uma pílula milagrosa inventada com o auxílio tecnológico. Toda a água será potável de novo. Ou então inventaremos a água em cápsulas (gelatinosa, que é para ser engolida a seco). Ou então inventaremos uma pílula para não precisarmos mais de água! Nosso corpo dispensará tal substância, já que ela escasseou.
Comida? Ora, há anos os livros de ficção científica já falam de pílulas que substituem refeições. Os astronautas já as conhecem e as levam em suas viagens espaciais. Não é problema. É só inventar um modo de fazer alguns bilhões, que dê para todos. Fico imaginando, excitado, o restaurante de pílulas portuguesas de Bacalhau à Gomes de Sá...
Moradia? Ora, os japoneses já resolveram tecnologicamente o problema de espaço físico. Deu no Fantástico. Eles acomodam as pessoas em cápsulas refrigeradas – confortabilíssimas! – que vão sendo empilhadas, como nos cemitérios, entende? Os japoneses são capazes de reduzir qualquer coisa!
Aquecimento global? Não há problema. Estamos pensando num escudo para ser colocado entre o Sol e a Terra, tipo ray-ban, último tipo, chiquérrimo. E os mais ricos, que são os que, afinal, pagam pelo desenvolvimento do Planeta, poderão se abrigar em cidades refrigeradas, deixando o calor para a pobreza chinelona, para a rafuagem.
Não há problema que não resolvamos tecnologicamente para cumprir o preceito bíblico do “crescei e multiplicai-vos”. Fomos feitos para povoar a Terra e as outras espécies foram feitas para nos servir, não é mesmo?
Com a tecnologia, estamos certos de vencer a natureza e todas as dificuldades que encontramos para obter Qualidade de Vida.
Há séculos pensamos assim...
Até quando?!