Ensaio sobre Aime

Lembro-me de retirar a pele morta de meus pulsos e acordar na casa de estranhos como se nada tivesse acontecido. Deixei rastros pelas ruas e disso não tenho dúvida, declamei minhas confidencias aos bêbados e ainda sim, aqui estou, imune de toda a sujeira que em mim cuspiram, inerte a todas as mãos que me tocaram,voltando tarde,fumando meu cigarro diário como se toda noite tivesse sido apenas sonho,e me convencendo disso cada palavra que aqui escrevo.

Não sei se a vida que tenho, bêbada e largada nos destroços de uma boa casa, da boa casa de minha mãe , é melhor que a vida lá fora, ou melhor que a vida dentro de mim,ou tudo aquilo que antecedeu. Eu não lembro ,sinto memórias intocáveis de tempos que não tenho certeza que vivi. Tudo parece um céu nublado, eu respiro,eu fumo , eu me esqueço do meu nome e da onde eu estava indo. E eu me arrependo,eu tenho remorso e rancor extremos sem ser direcionados a nada ou a ninguém. Toda a minha vida foi uma noite bêbada, todos os meus amores foram uma foda de alguns instantes,todos meu sentimentos uma ressaca,uma ressaca sem fim

De tudo eu só sei que fumo e escrevo , e fumo apenas porque o maço e o isqueiro esta deixado do lado da minha cabeceira. Eu sei que ele está em cima da cabeceira porque toda noite eu compro um e coloco lá,pra lembrar toda manhã de quem eu sou eu.Talvez eu nem goste de fumar. Talvez eu nem goste de escrever e me convença do contrário pra dizer que faço algo, pra me convencer que a vida faz algum sentido que não seja morrer um pouco por dia. Pra dizer que há algum sentido em morrer um pouco por dia

Eu fecho a porta que a empregada deixou aberta, pois evito que ela olhe nos meus olhos. Me envergonho de ainda ter alguém a servir a mim, de ter alguém que me serve e que me lembra todos os dias que eu gosto de café e de sopa de queijo, saber que ela sabe de mim mais do que eu próprio, agradecer pelos agrados de mãos que não sabem o que fazem.

Há dias que não saio de casa. Há dias que saio de casa apenas no corpo. Meu corpo se tornou a própria casa,grande e abandonada, bela se não estivesse vazia, com todas as grandezas da grande alma que eu poderia ter sido, do complexos de filosofias que formulei em hipótese e das grandes festas elitistas de meus passado. Tudo se tornou apenas reflexo do relógio, a servidão,os cigarros e a minha a minha amnésia. Tudo sempre há de desaparecer com a fumaça que sobe nas ruas, tudo sempre há de desaparecer enquanto eu tusso e morro de algo próximo a tuberculose, ou hipocondria.