Exemplo de sincronicidade

EXEMPLO DE SINCRONICIDADE

Novembro/2009.

Newton Schner Jr.

Antes das seis da manhã, eu já estava desperto. Apressado, preparava tudo o que levaria a uma viagem. Seria um dia especial, pois encontraria não apenas a um amigo, mas outras duas pessoas a quem, usando a expressão de Cioran, aplico um constante "exercício de admiração". Eu passaria quatro dias fora, pois aquele fim de semana coincidiria com um feriado de finados. No dia anterior, esperei por vários minutos até que conseguisse comprar minha passagem.

Já estando em meu ônibus, eu me ocupei, por alguns minutos, dos meus pertences. É-me comum levar uma mochila, na qual sempre estão objetos que nunca tornam minhas viagens entediantes. Cadernos, livros, canetas, fotos e algo para comer ou beber. Como havia dormido pouco, estava cansado. Mas, faria uma leitura até que o sono chegasse. Assim o faço, em todas as noites. Confesso que, neste sentido, sou incapaz de controlar minha mente. Não sei dizer a mim mesmo que "agora devo dormir". Apenas espero que o cansaço do corpo se estenda à mente. A vista se embarace. E, enfim, eu durma sem perceber.

O ônibus se aprontava para sair, quando, então, eu avistei uma moça que havia estudado comigo na universidade. Era minha colega de classe. Eu a olhei, ao menos para cumprimentá-la, mas não fui correspondido. Ela estava acompanhada. Sem que demonstrasse, eu sorria por dentro: "Que curioso vê-la aqui... Qual será a probabilidade de alguém, que estudou comigo na mesma sala minha, partir no mesmo ônibus e dia que eu, sentando-se na poltrona ao lado?". E assim, adormeci. Acordei quando já estava em outra cidade.

No dia seguinte, caminhava com meu amigo. O dia estava quente. Estávamos com muita sede. Voltávamos de um supermercado, por volta das quatro da tarde, em direção à morada de um senhor, amigo nosso, que iríamos visitar. Quando nós nos aproximamos da esquina, a moça, ex-colega de classe, virava. Novamente, acompanhada. Desta vez, de seu namorado e outra mulher. Quem sabe, mãe do rapaz. Novamente, eu a olhei e não consegui cumprimentá-la. Ela passou como se não me conhecesse. Por mais uma vez, sem que eu me manifestasse, àquele instante eu pensava: "Qual é a probabilidade disto ocorrer? Nesta cidade tão grande, como eu a encontrei novamente?".

Na segunda, feriado, conversava com outro amigo. Falávamos sobre questões de espiritualidade. Era madrugada. O ambiente estava um pouco abafado, apesar de portas e janelas abertas. Como complemento ao que dizia, relatei-lhe o caso da moça. "Sabe, isto me intriga. Como pôde ter ocorrido? Já migrando da espiritualidade para a matemática, eu penso que a probabilidade disto ter ocorrido é de 1 em algumas centenas de dígitos". "Jung trabalha isto tudo o que você diz, sob o conceito de Sincronicidade", "Sincronicidade? Fabuloso!". Contente, adormeci naquela noite com a certeza de que havia um sentido místico por trás das minhas últimas experiências.

Era terça. Eu tomava o ônibus de volta para casa, às quatro da tarde. Quase o havia perdido. O calor e o longo caminho que me separava da rodoviária, reduzia a pressa dos meus passos. Já sentado, ocupei-me de algumas anotações e leituras. Levava comigo não apenas as lembranças de um fim de semana profundamente produtivo. Mas, também, livros com os quais eu havia sido presenteado. Que sorte tê-lo vivido! E eu não teria imaginado quão bom seria, uma vez que foi escolhido como alternativa. Um pouco descontente, eu havia mudado meu roteiro, pois a outra viagem que eu faria, pelos mesmos dias, havia sido cancelada. Que belo imprevisto! Um pouco suado, com a tez avermelhada, eu me sentia contente.

Dentre todas as lembranças que me corriam à mente, certamente estava a questão da sincronicidade. Palavra simples, atrativa. Bastou-me uma simples informação, para que eu voltasse meus olhos para a infinidade de casos que me ocorriam e que por imaturidade, eu os descartava como simples e pura coincidência. Agora, o ônibus já se encontrava na rodoviária da minha cidade. Como de costume, eu esperava que os outros passageiros saíssem. Não sei o que me fez relembrar aquela moça. Por um instante, pensei nela e como se desafiasse uma própria força maior, disse a mim mesmo: "Agora, o que me falta é vê-la novamente!". E para meu espanto, não levaram alguns segundos para que eu a olhasse passar a meu lado. Novamente, não me notara. Passara como que indiferente. Mas eu, ah! Quão válida me foi aquela experiência. Cheguei a rir, pelo êxito das minhas constatações. Poucos ali, em meio aquele engarrafamento de pessoas, haveriam de imaginar a que conclusões eu chegava.

Simples coincidência? Não. Não é possível. Se a probabilidade era pequena no primeiro caso, ela, agora, seria multiplicada por três. Leve-se em conta o número de habitantes da minha cidade, o número de universitários, a quantidade de ônibus que vão com destino à mesma cidade onde estive. E, mais uma série de outros fatores.

E para minha sorte, a interpretação de Jung e sua terminologia haviam estado em meu encontro. Estavam à minha disposição. E assim, contemplei aquela experiência sem estabelecer qualquer vínculo pessoal com a moça. Nós nunca tivemos qualquer proximidade. Eu a encarei como parte daquilo que havia constatado. Ela me serviu de exemplo.

De sorte? Sim. Pois um pervertido como Freud, jamais atribuiria a isso tudo como sendo uma manifestação mística. Interpretaria minha experiência como resultado de um impulso sexual reprimido meu, como fruto de uma atração sexual que, durante tempos, eu teria sentido pela moça.

Nesta hora, eu penso: "Pobres daqueles que sem sorte, compartilham com os psicanalistas freudianos experiências como as minhas... Que destino irão tomar? Toda espiritualidade será convertida na mais grotesca sexualidade".

Quem sabe também a sorte é um fator integrante da sincronicidade de Jung. E ele, através do seu elo místico, escolhe a quem deve se servir de seus conceitos.

Newton Schner Jr
Enviado por Newton Schner Jr em 02/12/2009
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