Literatura de auto-ajuda: aprecie com moderação!


Imagino que a literatura de auto-ajuda surgiu para suprir uma lacuna que existia, depois do enfraquecimento das verdades religiosas. Durante séculos o ser humano vem sendo condicionado massivamente a buscar a felicidade obedecendo a preceitos religiosos contemplados nos chamados “livros sagrados”. Parece um paradoxo, mas os “comandos morais”, em boa parte, ameaçam, condenam, chantageiam e, nessa construção de culpas na consciência, amoldou-se boa parte dos princípios que deveriam ser representativos de liberdade, antes de mais nada. A auto-ajuda calca-se, essencialmente, na oferta de libertação de padrões como forma de alcançar-se a felicidade.

Nesse passo, o fenômeno de expansão no consumo de literatura de auto-ajuda é mais do que evidente, a ponto de que os catálogos de títulos já lhe conferiram, até, lugar de destaque. A mim, pessoalmente, a dúvida que fica é se, dentre eles, não devesse existir uma subdivisão entre “ficção” e “não ficção”. Note-se que eu utilizei o termo “consumo”, porque o que dita a proliferação indiscriminada é justamente o tratamento que é dado ao público leitor como sendo um “mercado”. Como todos sabem, o anseio pelo lucro acaba contaminando qualquer iniciativa, por mais bem intencionada que seja. As pessoas deixam de ser importantes como seres porque são tratadas como público consumidor, a quem se dá o que é vendável e não o que é saudável.

Os textos de auto-ajuda são caracterizados pela apresentação ao leitor de regras e conceitos que, de alguma forma, se seguidos ou observados, possam modificar o comportamento de maneira a tornar a vida mais proveitosa e feliz. O interessante é que o ser humano é um ente complexo, de funcionamento, às vezes, insondável e, ainda, cujas reações não podem ser previstas de forma essencialmente generalizada. Mesmo assim, há quem entenda que é possível criar o “manual de instruções do ser humano”.

A bem da verdade, o que se nota é que existem textos que são assumidos como sendo de auto-ajuda mas que, na verdade, são de caráter meramente motivacional. A intenção é provocar, instigar, seduzir o leitor, enfim, a se sentir motivado por esta ou aquela postura de comportamento ou de vida. Não raramente, os efeitos desse tipo de provocação são extremamente efêmeros, já que não resistem, no mais das vezes, por prazos superiores a uns poucos dias – se tanto.

Outros tantos textos de auto-ajuda trabalham numa linha de irresponsável desconstrução (para não dizer “destruição”) de valores e princípios inculcados por conceitos culturais, familiares, religiosos etc, de maneira a permitir que o leitor possa ser leniente consigo mesmo, abandonando quaisquer recriminações de culpa, permitindo que outros novos enfoques tomem o lugar daqueles antigos, porém, sem nenhuma preocupação com os reflexos disso nas interações com outras pessoas. Nesse caso, está-se trocando seis por meia dúzia. A questão é saber qual é a filosofia do “danem-se os outros” que está na moda.

Há também muita literatura esotérica travestida de auto-ajuda. São as soluções “mágicas” para transformar a vida, vez que uma postura realista e pragmática nem sempre surte efeito para todos, principalmente para aqueles que esperam que alguma força externa lhes propicie as conquistas que as predisposições internas não sejam capazes de alcançar.

Afinal, existe alguma literatura de auto-ajuda benéfica e eficaz? Creio que sim! E, no meu modo de ver, é muito simples identificá-la no cipoal que se instaurou nesse ramo. Se as propostas feitas ao leitor que busca auto ajudar-se, de fato, estimularem ao aperfeiçoamento de seus princípios de conduta e, ainda, refletirem em benefício daqueles com quem ele convive ou possa vir a conviver, então teremos uma legítima e honesta intenção de apresentar meios de buscar-se a felicidade individual, porém, sem causar danos a ninguém.

Por outro lado, apologias ao “umbigocentrismo”, ao desprezo total de limites impostos pela consciência e às repetições verbais e mentais de falácias impraticáveis, pela mera busca da sensação de bem estar, com certeza, não são literatura de auto-ajuda. São formuletas de auto-enganação.

Afinal, o objetivo de ser melhor não pode bastar-se em si mesmo, na pessoa do indivíduo, mas precisa ser uma forma de que ele seja um ente feliz e propagador de felicidade à sua volta.