EPIFÂNIO DÓRIA: METÁFORAS DE MORTE
Uma das marcas do Romantismo na poesia foi o culto ao tema Morte. No Brasil, pegando carona no mal-du-siècle, morreram poetas em plena luz da juventude. Freqüentavam escuras tabernas onde ajudavam o destino a levar-lhes ao túmulo, como aconteceu com Álvares de Azevedo, Casimiro de Abreu, Junqueira Freire e Fagundes Varela.
Chamou a nossa atenção ao revisar as crônicas de Epifânio Dória, coligidas por Ana Medina, obra a ser em breve publicada, a maneira metafórica como o jornalista sergipano anunciava a morte de seus biografados. Aliás, Epifânio mesmo conta sobre certa feita em que alguém o criticou por falar tanto sobre mortos quando havia vivos a serem lembrados, e que deixasse os mortos em paz.
Epifânio se defendeu, pois também tratava de nascimentos, casamentos e vários outros assuntos. Entretanto, no que diz respeito à morte ele era quase um poeta, tamanha a variedade de metáforas e outras figuras relativas ao momento final do ser humano.
Fizemos um breve levantamento de algumas dessas passagens no segundo volume da seleta organizada pela autora de A ponte do Imperador:
O sacerdote sergipano, Cônego Urbano da Silva Monte, por exemplo, durou “até que a morte veio cerrar-lhe os olhos ao espetáculo do mundo objetivo”
.José de Araújo Góis, advogado, foi aquele a quem a morte “veio cerrar os olhos para o sono da Eternidade”.
Dr. Artur Simeão Mota, médico, partiu “Muito moço ainda, pois não havia completado os seus 27 anos de idade, teve de ceder à lei fatal da morte”.
Dr. Guilherme Vieira da Cunha, juiz de Direito, precisou ausentar-se “quando a morte lhe veio recrutar para o sono da Eternidade”.
Dr. João Chagas Rosas, médico e poeta, também foi convocado, pois “a morte veio recrutá-lo para a vida eterna, mal completara os seus 51 anos de idade”
“Na hora nostálgica do badalar dos sinos campanários, chamando os crentes à concentração para balbuciarem as AVE MARIAS, às 18 horas do dia 14 de julho de 1899, (...) cerrou as pálpebras para o sono eterno o médico e poeta sergipano Dr. João Chagas Rosas”.
Alberto Campos, poeta, revisor e repórter, este, “Voltando à Bahia, matriculou-se na Escola de Belas-Artes, cujo quarto ano cursava quando o tufão da morte veio arrebatá-lo para o sono tranqüilo (...). Esperava para tirar, no ano em que faleceu, o prêmio de viagem à Europa, nas provas finais do seu curso da Escola de Belas-Artes, sonho que a morte veio cortar”.
A morte exerce várias profissões e é incansável nas linhas de Dória. Notem como levou o General Manuel Joaquim Pereira Lobo: “Não diremos que madrugou para a morte, todavia é justo dizer que faleceu relativamente moço, pois não tinha completado ainda os seus 55 anos de idade”.
Gustavo Maria de Andrade Santiago era tenente-coronel do Exército “Quando a morte veio afastá-lo do seu posto de honra, batendo-se novamente ao lado das forças legais, com a bravura que lhe era peculiar, contava já mais de 35 anos de serviços ao país”.
D. Quintina Diniz de Oliveira Ribeiro, “a devotada educadora da mocidade feminina de sua terra apenas desapareceu de nossa vista pelo fenômeno natural da morte, mas continua a viver nos nossos corações com o seu conjunto de virtudes e tesouro de dotes morais e intelectuais”.
Dr. Benjamin Fernandes da Fonseca “Exercia a clínica médica na Guarnição de Óbidos, quando a morte lhe veio fechar o ciclo da útil existência”.
Com Olímpio Campos, Epifânio foi mais extenso, conseguindo uma maneira de conferir-lhe a eternidade: “Mas o poder da Morte só impõe silêncio à matéria. Pode calar uma boca, parar um coração, apagar do espaço uma sombra, destruir o tecido de uma vida. Até aí chega a tirania da Parca. E só até aí foi atingida a existência do extraordinário vulto que continuará a ser chamado, na vida da história, Olimpio Campos. A alma imortal dos eleitos zomba da Morte e os túmulos que sobre eles se fecham são portas que se abrem para outra vida, mais longa, se não eterna”.
Dr. Domingos de Oliveira Ribeiro aponta no cenário epifaniano como “brilhante inteligência sergipana que se apagara levada pelo tufão da morte”.
O poeta José da Costa e Silva teve o seu nome cancelado “na lista dos vivos”.
A poetisa sergipana Concita Ferraz (Maria da Conceição Perdigão Ferraz) não escapou e “Madrugou para a viagem misteriosa do além túmulo, pois mal completara os seus 20 anos de idade teve de desaparecer no torvelinho da morte. (...) Em 1914 resolveu visitar, acompanhada de sua genitora, a cidade do seu nascimento e aqui esteve por algum tempo, volvendo logo depois para o Maranhão, sem adivinhar que a morte ali a esperava”.
O General Samuel Augusto de Oliveira, musicista e ”gigante das nossas letras que a morte veio buscar tão cedo ainda, para os mistérios do Além”
A foice do cronista desce cortante sobre comerciantes em Sergipe: “João Vitor de Matos, Félix Pereira de Azevedo, João Pereira Coelho, Estevão Pereira Coelho, Antônio Jorge Francino Melo, Francisco Costa, Teixeira Chaves, Sabino Ribeiro, Calazans Silva, Alcino Barros, José da Silva Ribeiro, Maximino Ribeiro e muitos outros foram ceifados pela morte”.
Um indignado Epifânio noticia que “Desaparece na viagem da morte material o grande tribuno sergipano Dr. Fausto de Aguiar Cardoso, abatido inacreditavelmente pela bala da carabina de um praça que se não receou lançar sobre a nossa história uma mancha tão grande que para lavá-la nunca serão suficientes todas as lágrimas que possam vestir, séculos e séculos, os olhos da geração que cometeu tamanho crime”.
A morte lavradora colhe o “modesto compositor musical Antônio Paris Maceió” Teve uma morte singela na pena apressada de Epifânio: “Sabemos apenas que era natural do Estado de Alagoas, vindo fixar- se aqui Sergipe, onde a ceifa da morte veio encontrá-lo”.
Caminhando em direção do Dr. Nilo Ramos Romero, irmão de Sílvio Romero, solícita veio a morte “buscá-lo para a romagem do túmulo”.
Quanto ao Coronel Terêncio de Oliveira Sampaio, “Em 1924, constituído nesta capital o Banco Mercantil Sergipense, foi convidado para ocupar o lugar de diretor gerente do mesmo, função que ocupou até quando a morte lhe veio privar os olhos da contemplação dos panoramas da vida e preparar-lhe o corpo para a alquimia do túmulo”.
Dr. Joaquim Esteves da Silveira, cognominado O Poeta da Noviça, “Sem forças para resistir aos estragos da moléstia que lhe solapava a saúde, voltou à capital baiana, onde encontrou a morte por noiva”.
Dr. Inácio Joaquim Barbosa desejou construir um templo, mas, inviabilizando planos, “A morte (...) veio privar a cidade em formação do dinamismo generoso e construtivo do grande presidente”.
Segundo o cronista das Efemérides sergipanas, o Desembargador Gonçalo Vieira de Melo, “Este saudoso magistrado dorme o sono tranqüilo da morte em túmulo perpétuo no Cemitério Santa Isabel desta capital”.
Eugênio José de Lima, industrial, O Mauá sergipano, “a morte veio apagar a grande atividade do seu espírito infatigável (...). Achava-se na capital do Estado do Rio de Janeiro, desenvolvendo esforços em tal sentido quando a morte o veio recrutar para a vida eterna”.
Ninguém corre e nem se esconde, pois, o Dr. Demócrito de Bittencourt Calazans, “Em 1911 transferiu-se para a cidade do Salvador, renunciando à atividade clínica. Dedicou-se depois à lavoura transferindo-se para Feira de Santana, onde a morte lhe foi buscar”.
Não importa o cargo ou patente, eis que o Coronel Joseph Dória Neto a morte “veio cerrar os olhos para o sono tranqüilo”.
O poeta sergipano Isaías de Oliveira, apreciador do Belo, foi tomado pela surpresa: “Fez duas viagens de recreio à Europa e preparava-se para realizar a terceira quando a morte lhe veio cortar o fio da existência”.
Assim como acontece com as flores, o romancista e poeta sergipano, José Maria Gomes de Souza, foi colhido “para a vida do túmulo”.
Quase passando da hora, o Dr. José Francisco da Silva Melo, foi o “velho e despretensioso clínico que a morte veio buscar para os mistérios da Eternidade a 24 de dezembro de 1926, privando os seus dos júbilos do Natal desse ano”.
Soberana a tudo e a todos, a morte leva consigo um chamado Imortal, Pedro Sotero Machado, “membro fundador da cadeira nº. 37 (Joaquim de Oliveira) da Academia Sergipana de Letras”.
Sem Epifânio da Fonseca Dória e Menezes a morte perde sua perspectiva romântica e veste as roupas da modernidade.