Nunca mais poremos nossos pés naquele prédio

Nunca mais poremos nossos pés naquele prédio. E isso é bom? Honestamente, não sei. Eu costumava gostar de subir aquela escada cinematográfica e ver pela janela envidraçada o jardim que nosso colega prefere chamar de canteiro. E quando as pombas voavam na praça parecia que elas iam bater na janela da sala, e isso sempre me agoniava, eu ficava imaginando as pombas mortas meio amassadas meio ensangüentadas escorregando pelo vidro e depois caindo sobre a calçada e pelos que por ela passam. O piso de parquet eu adorava, quando entrava na sala, logo me lembrava daqueles apartamentos antigos amplos, espaçosos, com lugar para a mobília e para o tango apaixonado dos seus moradores românticos.

Vou refazendo o caminho na memória. A sexta-feira era o dia de pegar o ônibus especial, com ar-condicionado e bancos reclináveis, escolhia sempre um banco de onde pudesse ver o mar até que o sono se mostrasse mais forte. Pouco antes de chegar à praça acordava, como que por instinto, descia do ônibus, e andava a passos largos e apressados cruzando aquela praça como se a velocidade do meu andar pudesse provocar alguma movimentação atmosférica capaz de mover meus cabelos. Cruzar a praça não demorava mais que dois minutos, mas era o suficiente para identificar a música que o vendedor de CDs piratas usava para tentar atrair algum cliente, ver se ia ter alguma manifestação, e para a música latina ou andina do vendedor e o ar revolucionário das manifestações contagiarem meu andar de atravessar a rua até entrada do prédio.

Subir as escadas... parecia haver algo de irreal no subir aquelas escadas, que as luzes iam se apagar e eu podia ser qualquer um, afinal eu estava num filme. A escada terminava, vinham mais dois vãos duma outra escada, esta sem graça, eu andava mais um pouco pelo corredor, abria a porta e procurava algum rosto que olhasse em direção a porta procurando qualquer coisa além daquela aula, e para esse rosto eu sorria testando minha telepatia “Não sei o que você esperava ou quem procurava, mas acabei de chegar, espero que lhe sirva o sorriso”. Naturalmente o sorriso obteve respostas, já minha mente não.

Há as pessoas que só via naquele prédio. Desde que deixei de por meus pés lá não as vi mais, por isso não sei se é bom

Zyanya
Enviado por Zyanya em 17/07/2008
Código do texto: T1084381
Copyright © 2008. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.