Carta Recém- chegada da roça

Ah! você certamente nunca provou o cheiro bom do mato e saboreou queijo de leite de cabra, salpicado de orégano ou pimenta árabe, de depois um cabrito na brasa e galinha cozida com mandioca. O queijo, pode ser adquirido ao preço de ouro no Alpino, em Belo Horizonte, quem sabe no Giardino, no Rio, acompanhado de um autêntico vinho português, branco ou tinto. Mas, galinha com mandioca, por preço algum. Nem, no Times, Paris Match, você verá as cores de uma missa celebrada em cima de um carro de boi, num ritual típico do sertão, para abençoar os "heróis"de uma vaquejada. No ofertório, cada cavaleiro traz seus instrumentos de trabalho ao pé da Cruz, canta-se Gonzagão, canta-se Gonzaguinha, até a Bandeira do Divino, do nosso folclore para o Brasil, através de Ivan Lins.

Nem, nunca viu os sininhos ou matracas substituídos pelo aboio, aquele uníssono que sai do chifre do boi, soprado e sentido como que som saindo da alma do vaqueiro. E, acredito, que nunca rezou em campo aberto, com os pés no chão, os olhos para o céu azul, limpinho, com o vento a buscar suas palavras, levá-las ao redemoinho mais próximo e perdê-las quase no infinito, como que levando a Deus o clamor de agonia - Pai, lembre-se de nós, brasileiros!

Certamente, você nunca viu correr a cavalo atrás de um novilho, alcança-lo pela cauda e jogá-lo ao chão, como se meia tonelada de carne não pesasse mais que um bouquet de rosas, senão em Euclides da Cunha, numa eterna caça ao dicionário, para entender o regionalismo em suas palavras.

Pois, no campo há tudo isso e acredito mesmo se a vocação agropecuária de todo brasileiro fosse posta em prática, este País seria um celeiro do mundo. O melhor programa de governo, que me perdoem os economistas e economeses, ainda é a Carta de Caminho - "em se plantando, tudo dá." Ainda, certamente, você nunca viu pegar pedra de São Tomé, fazê-la fina e branca como lençol, colocá-la em um forno, deitar lenha e raspa de mandioca, até virar farinha. Nem, aquelas pretas de lenço branco na cabeça, batendo garapa até chegar ao ponto de emulsão certa para jogá-la em formas toscas até virar rapadura, tal como os tupiniquíns, os tupinambás, tapuias e carajás.

Ah! tenho certeza, nunca sentiu o cheiro bom da terra que sai debaixo do arado, onde a poluição não encontra seu lugar, nem apito das fábricas, freadas de carros, buzinas a ar.

Por isso, o homem do campo, pobre, maltrapido, cheirando ainda folhas do mato ao invés de desodorante em spray, tem o seu orgulho, sua vaidade de gibão novo, de chapéu de couro, de espora reluzente, de cavalo marchador e nenhum medo, nem da onça, da cobra, da febre, assaltos ou sequestros.

É tempo de arar a terra, de ainda queimar os pastos, de plantar com muita crença o milho, o feijão, arroz, refazer o capim, pois, que venha a chuva, que Deus ajude, a esperança já totalmente perdida em cidade grande.

Em tempo: Durante a missa, com a voz embargada e fitando o infinito, rezei por aquele tropeiro que estancava o sangue apenas com a raiva do corpo de ter-se ferido ou perdido a rês no capeirão, que carregou durante meio século chumbo no corpo e cicatrizes na alma, que viveu e amou tudo isso. Lá, rezei pelo meu avô.