Poemas que se respondem - Gustavo e Sônia

Gus nº XLIV

Rua da felicidade,
Sem número fixo
Mas faz perfeito crucifixo
Com a avenida da boa vontade

De poeira, se faz almoço
Dois goles de maresia, fria
Adoçada da mais pura homofobia
Sobremesa é o negro fosso

Sentai-vos à ribanceira
Está servido o banquete
A credencial é o sinete
O lamaçal a esteira
Puxa o lençol de palavras
Apruma o travesseiro de lata
Esquece a dor, que dor é abstrata
Concreta é a cova que cavas

Repousa feliz ao relento
Só em sonho tamanha alegria
O frio é, pois, analgesia
Amortece qualquer sofrimento

Se outro passa, repara a beleza
Raça humana, perfeita por natureza
Entoa hinos, póstuma homenagem

Controle de natalidade, contraceptivo
Morrer – se consola – é subjetivo
Desgraça pouca é bobagem!

Gustavo Schramm



Eco nº XLIV

Avenidas da displicência
Sem locação pro desleixo
Pedintes levando o madeiro
E o gole de fel do hospitaleiro.

Mata um cachorro e come.
E como consegue essa gente?
Afinal gente tem fome
É só mais um cachorro quente

E ali na beira da estrada
Ninguém vem de mão lavada
Quem corre come primeiro
Quem dorme não leva nada.

Encheu a cara de pinga,
Dor não dói se for regada
Esqueceu que a fome era negra
E a quem passa, nem doeu nada.

Repousa feliz teu atrevimento
Que teu sono afronta, em tudo, o real;
Como acordar desse frio de cimento
Se quem anda abrigado se aquece tão mal?

Humana raça por vaidades vencida
Se as dores são minhas, alargo as medidas
Louvores, templos e hinos, hipocrisia no caos

Controle é pecado, prevenir é sacrilégio
Morrer não, que Deus o leve! Mas cuida de ser batizado!!!!
Reverbera eco insistente, no sentimento vexado!

Eu daqui, vontade fraca e enfadonha,
Ao som que acrescenta peso à bagagem
Aplaudo teu grito: Desgraça pouca é bobagem!