Convocação
Após tantas desordens, uma poesia conforme o clima atual da nação:
Os jovens estão sendo mortos
Tem massa cefálica no meu tênis novo
Eu escorreguei no sangue
Cadê a prefeitura que não limpa essa cidade?
Eu ando chutando ossos
Eu vejo negros sendo degolados
O sangue jorrando me lembra esses tantos anos de violência.
Eu vejo uma mulher sendo espancada
O marido dela é da igreja
E diz que gays não podem se casar porque não respeitam a família.
Eu vejo injustiças demais
Mortes demais
Miséria demais
Genocídios demais
Ando cansado do cheiro de sangue
Misturado com a fumaça dos carros
E dos cigarros
E das fábricas
Não sei se esse cheiro de ferro é o sangue
Ou se é a fuligem no meu pulmão
Ou meu nariz se deteriorando
Com o ar sulfuroso
Eu vejo crianças cheirando cola
Pedindo dinheiro no sinal
Eu vejo uma infância corrompida
Eu vejo inocência sendo derramada
A polícia mata o bandido
O bandido mata a polícia
A sociedade quer julgar quem é bandido
Quando comete corrupção dentro de casa
Não pode ser gay
Não pode ser maconheiro
Não pode ser sapatão
Não pode ser ateu
É do demônio
É só encardido
É do inimigo
É do satanás
Mas eu vejo gay amando
Maconheiro respeitando
Sapatão cuidando
Ateu se doando
E eu vejo padre assediando
Pastor mentindo
Pai de família assassino
E médico viciado
Eu vejo as incoerências
Eu vejo as contradições
Mas dizem que sou herege
Dizem que sou louco
Dizem que sou pessimista
Dizem que sou um imbecil
Dizem que não sei de nada
Dizem que eu sou apenas um jovem
E eu fico parado no meu canto
Me perguntando o tempo todo
Será que ninguém tá vendo tudo isso não?
Tem horas que tenho esperança
Tem horas que reduzo tudo ao nada
Às vezes eu fico triste
Às vezes eu sonho alto
Será que ninguém tá incomodado?
Onde estão os sonhadores?
Para onde foram os que lutam?
Cadê os que querem respeito?
Onde estão os transformadores?
Onde estão os otimistas?
Onde estão os inseguros?
Onde estão os loucos?
Onde estão os entusiastas?
Estão todos perdidos na multidão
Suplico para que se ergam
O mundo está entrando em colapso
E precisa de artistas.
Gabriel C. Machado
29/04/2019