Discurso de Formatura
Discurso de formatura
Segundo grau – Escola de Comércio Profa. Maria Dolabela
Dezembro/1968
Não sei se vamos conseguir chegar até o fim. Para nós é uma coisa diferente. Raras vezes chegamos a esta posição. Para nós é muito diferente. Para muita gente, é apenas outra classe que se forma. Para esses não é muito difícil. Disseram ainda que é preciso emocionar a plateia, dominá-la, levar para qualquer lugar que nos aprouver... Deve ser o mesmo que pedir para fazer, pelo menos, no fim das palavras, umas dez ou quinze pessoas chorarem. É, dizem que é a missão do orador. Assim que é bem certo que não conseguiremos cumprir a missão. Entretanto, no fundo, sabemos que não é tão difícil. A ocasião é propícia. Não é a nossa despedida dos estudos em Pitangui, para quase todos não é a despedida da cidade que nos viu crescer e subir, definitiva despedida? Pelo menos, para muitos, assim o é. Brasília, Pompéu, Formiga, Belo Horizonte, sei lá os outros que podem ainda vir, todos são caminhos que nos esperam, são os outros caminhos que nos esperam. É a desintegração. Desintegração que há de causar efeitos atômicos em nossos corações. Alguns nem mais se verão, apesar de não ser tão grande o mundo de hoje. Mas é assim mesmo. Tudo nos prende e carrega e tudo que prende e carrega, leva e separa também. Quando há um momento no descanso das corridas da vida, a imaginação nota o quanto se mudou e o quanto se pode mais fazer. É ver que ficamos escravos. Escravos de tudo, do tempo, do dinheiro, escravos, simples e eternamente escravos, embora se fale tanto em liberdade. Se não fôssemos escravos, meus colegas e eu não nos separaríamos. Seríamos sempre qual uma família. Não nos separaríamos da escola. Os que nos assistem não se teriam separado dos seus colegas, dos seus irmãos, de sua turma, como meus colegas e eu nos separamos agora.
Vamos ter saudades de tudo isto aqui. Por acaso seremos uma turma diferente? Ou não teremos o direito de sentir? Vamos ter muita saudade de tudo isto aqui. O professor, o servente, o inspetor de mandar embora nos primeiros tempos, problemas com as matérias, problemas de cola... "Quem não cola não sai da escola". Nós saímos. Mas não saímos de todo alegres, porque existe um paralelo em tudo. O paralelo da nossa alegria por sermos formandos e a tristeza de deixar tudo tão bom que aqui existe. A Escola de Comércio vai deixar muita saudade. Esta Escola, especialmente, porque haverá outras, para muitos virá a Faculdade, outros bons tempos. Mas, agora, o caso é esta. Ela, de tantos anos, desenhou carteiras nos nossos pensamentos, como muitos desenham pensamentos nas carteiras. Cores das salas, marcas de filtros, que depois vamos lembrar. Aquela sala cheia de armários e vidros, esqueletos, desenhos de gente por dentro. Esse galpão que ficou mais novo e diferente. De tudo haveremos de lembrar. Só se, Deus nos livre e guarde, algum de nós for embora pra Pasárgada antes de ter tempo de sentir saudade.
Não queremos ir embora pra Pasárgada antes disso. Queremos viver muito. Queremos, como Camões, fazer o resumo de nossa vida. Com as lembranças que persistirem, fazer o nosso poema: "Erros meus, má fortuna, amor ardente, em minha perdição se conjuraram. Os erros e a fortuna..." Queremos ter tempo para aproveitar as aulas de Direito e Legislação, as nossas Contabilidades. Aquele complicado Inglês de comércio, aquela História que ficou tão longe no primeiro ano. Queremos analisar, para confirmar ou desmentir a Malthus. Havemos de aproveitar as coisas que aprendemos. O Brasil precisa de muita gente ajudando. Precisa de nós. É necessário ajudá-lo. Tudo isso aprendido há de guiar-nos pelos caminhos de ajudar o Brasil.
Todo mundo hoje faz parte de nossa alegria. Todo mundo hoje tem um pouco da nossa vitória. Os professores, aqueles de quem havemos de ficar saudosos, aqueles que sempre havemos de individualizar, eles que, talvez, nem vagas lembranças guardarão de nós. Hoje, um pouco da nossa alegria é do ilustre paraninfo. A ele os nossos agradecimentos pela honra que nos dá. O senhor, Dr. Raul, há de perdoar-me. É que não sei falar do jeito que as pessoas como o senhor merecem. Então saem estas palavras bobas, frias, talvez até nem tenham sentido. Dizem que é preciso sempre, em todas as ações da vida, é sempre necessária a profundidade. Então não adianta falar muito. A única expressão que serve é a tradicional, e que sempre diz mais que muitas outras reunidas. É o que faremos, dizendo "muito obrigado". Muito obrigado também a nossos pais. É muito difícil agradecer o tanto que merecem. A gente também nem sabe calcular. Do fundo do coração, em meio à maior alegria que nos avassala neste instante, mais uma vez, "muito obrigado".
É hora de não falar mais. O Eclesiastes diz que existe tempo para tudo. É verdade. Agora é tempo de não falar mais. É tempo de calar. As palavras assim como formalidade aborrecem a muitos e não dizem nada. Em verdade, as palavras não significam nada. Tudo o que vale é o de dentro de cada alma. Nem podemos dizer "dentro do nosso coração". O coração tira-se hoje como sujo em roupa. Os sentimentos, até os sentimentos foram incomodados. São Jorge na Lua também o foi. Nem sabe mais se vai poder continuar matando seu dragão em paz. É bem verdade que o dragão já foi embora. Hoje só existem onde ele vive as planícies e as crateras. São Jorge debate-se em dúvidas. Não sabe se aprender o russo é mais vantagem que aprender a língua dos americanos. As coisas que nunca foram incomodadas estão sendo agora. Vocês todos que estão ouvindo estão sendo à toda hora. Por exemplo, agora. Vamos parar. Vamos seguir com a sessão. Antes, devemos dizer que levamos muita gratidão da cidade, de tudo e de todos. Nós que nos formamos em Contabilidade neste 1968 das manchas solares estamos muito gratos pelo que nos fizeram. Não poderemos pagar, nem vemos meios de pagar por nossas próprias forças. Pagaremos transmitindo à outra geração tudo o que nos ensinaram. Tudo, para que o nosso querido Brasil continue se agigantando. E o Brasil, quando for grande e forte, há de escrever uma carta para esta escola. No fim, um "muito obrigado". É o que meus colegas também dizem. Muito obrigado.