Do Angola ao Djumbay: imprensa negra 07

protagonismo feminino. O editorial do

número 2 revela essa identidade: “E dando

importância também a este panorama

[a conjuntura das eleições de 1989],

nós, mulheres negras, estamos nos organizando

a nível nacional o I Encontro

de Mulheres negras.” Daí encontramos

entrevista concedida por Vera Barone, à

época candidata à Câmara dos Vereadores

do Recife pelo Partido dos Trabalhadores,

a Lúcia Crispiano, primeira mulher

a presidir o Afoxé Alafin Oyó; além

de relatos das participantes do 1° Encontro

Nacional de Mulheres Negras.

Os informes eram agrupados na

editoria “Mural Piche”. Notícias que registram

a efervescência do Movimento

Negro recifense daquele momento: Em

20 de/novembro de 1988, foi inaugurada

a “Rádio Quilombo dos Palmares” no

bairro Chão de Estrelas. Marcos Antônio,

militante do MNU-PE, venceu a eleição

para presidente do Sindicato dos Bancários

de Pernambuco; o Vaticano proibiu

a realização da missa dos quilombos realizada

pelo arcebispo de João Pessoa,

Dom José Maria Pires; os associados do

Afoxé Alafin Oyó, Jorge Andrade (PSB)

e Severo (PSDB), concorreram à Câmara

Municipal de Olinda; Inaldete Pinheiro

lançou o livro “Pai Adão era nagô e cinco

cantigas para só cantar” e atuação do

próprio Alafin Oyó.

No campo das ações, ressaltava-se o

papel imprensa negra. Para o NegrAção,

a imprensa negra é importante, porque

uma vez que os meios de comunicação

burgueses se fortalecem mais e mais fechando

seus espaço para os movimentos

populares ou sendo usados de forma

alienante, como aconteceu na campanha

de centenário da falsa abolição, quando

a referida imprensa tentou sufocar os

atos de repúdio dos movimentos negros

em detrimento dos atos alusivos à princesa

Isabel59.

Foi o NegrAção, um boletim de uma

instituição carnavalesca, que cumpriu a

agenda discursiva do MN, o que sinaliza

que a linha que distingue as entidades

culturais das entidades políticas é muito

tênue, sendo a trajetória das instituições

um rol de ações que transitam do cultural

ao político, compondo um universo

discursivo marcado pelo enfrentamento

ao racismo e oposição ao mito da democracia

racial.

Omnira

O grupo de Trabalho de Mulheres

do MNU-PE intitulado Omnira lançou

em 1993 o boletim informativo homônimo.

O Omnira faz parte de uma Rede de

Jornais Populares ligada a ETAPAS, que

era “(...) uma articulação democrática,

que traz ao público visões de mundo diferenciadas,

possibilitando uma análise

crítica da realidade”60. Pela política da

Rede de Jornais Populares, cada boletim

que fazia parte da rede tinha

(...) 4 (quatro) folhas grandes, [e] o

jornal dedica a primeira e última página

para assuntos e comerciais de sua

59 NegrAção, n° 2, fev/mar/1989.

60 Omnira, nº 5, maio/1994.

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comunidade. Já as páginas de dentro

são para reportagens mais gerais, que

tratem de problemas comuns a todas as

comunidades”61.

O grupo Omnira reservou as páginas

internas dos números 4 e 5 do boletim

às matérias “Tráfico de mulheres”

e “Dia Internacional do Trabalhador?”,

ambas assinadas por Cristina Vital. Portanto

essas matérias estavam em todos

os 95 jornais da rede e suas respectivas

comunidades. O MNU não dispunha da

totalidade do Omnira, como ocorria com

o Negritude, entretanto atingia um público

maior e mais diversificado. A evidenciar

a preocupação com a situação

social do negro e a posição política do

MNU, o n05 trouxe duas matérias sobre

o 10 de Maio: “uma do Movimento Negro

Unificado e outra da Central dos Movimentos

Populares. A preocupação principal

era não confundir o público acerca

da nossa visão e concepção política, enquanto

militantes negras”62.

O Boletim Omnira optou, como

eixo central, por articular as temáticas

gênero e raça nas 4 páginas, impressas

em off-set, preto e branco, sobre papel

jornal, e com tiragem de 1000 exemplares.

Quanto ao formato, os três primeiros

números do Omnira vieram em tamanho

meio oficio, passando a ser editado

em tamanho ofício a partir do número 4,

como resultado da mudança “(...) de reordenações

na política de editoração da

61 Id., nº 4, out/nov/1993.

62 Id., nº 5, maio/1994.

Rede de Jornais Populares (...)”63.

As matérias eram assinadas por

membros do GT Omnira, por integrantes

de outros grupos de mulheres e, algumas

poucas, transcritas de livros. O

projeto editorial do Omnira era bastante

simples: matérias, editorial e informes

organizados pela editoria “Mulheres em

Movimento”. No n06, a editoria “Mulheres

em Movimento” trouxe notícias da

fundação do grupo “Mulheres Negras de

Camaragibe” e da realização, pelo Centro

de Pesquisa Solano Trindade, do I Encontro

Estadual de Mulheres Negras. O

evento foi realizado em agosto de 1994,

na cidade de Camaragibe, município que

possuía desde 1991 o bloco afro Camarás,

a evidenciar a efervescência da militância

negra na Região Metropolitana do

Recife. O Omnira também divulgou as

ações do MNU, dentre elas um box para

a grife do MNU-PE, Negritude Consciente;

a participação no II Seminário Nacional

de Mulheres Negras e na organização

das mulheres no Estado: “Em Pernambuco,

o Coletivo de Mulheres Negras

surgiu em 1991, no II64 Seminário Nacional

de Mulheres Negras que ocorreu

em novembro/91-Salvador/BA, o qual

contou com a participação de seis delegadas

de PE.65. Todas as matérias estavam

relacionadas à temática da mulher

negra, ressaltando que a luta contra o racismo

teve (e tem) nas mulheres negras

importantes protagonistas. Os nomes de

63 Id., nº 4, out/nov/1993.

64 Em 1991 aconteceu o I Seminário Nacional de

Mulheres Negras.

65 Omnira, nº 6, out/1994.

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lideranças eram substantivados possibilitando

que todas pudessem (e possam)

vir a ser uma delas.

(...) Quantas Luiza Mahin (Revolta dos

Malês), Aqualtune e Dandara (Quilombo

dos Palmares), Zeferina, Anastácia

não se curvaram, nem calaram diante de

um branco, e tantas outras que estão vivas

na nossa história, como exemplos de

luta do povo negro66.

Buscava-se estimular a auto-estima

das leitoras e dos leitores, incentivando-

-lhes a “acreditar no seu potencial de poder

transformar esta sociedade racista,

[que] é fazer jus a luta das negras guerreiras

do nosso passado tão presente

nos nossos dias”67. Por suas páginas podemos

observar que o Movimento Negro

reflete sobre gênero, ao construir grupos

de mulheres que buscam analisar as relações

raciais sob o ponto de vista feminino.

O Omnira é a voz feminina em alto

e bom tom na história do MN no Recife

por ressaltar as personagens e as cenas

desse enredo que articula racismo e sexismo.

Djumbay

O informativo Djumbay é o jornal

negro com maior número de edições na

Região Metropolitana do Recife e cedeu

seu nome a uma instituição. Até o n05

(jul/ago/1992), o Djumbay, conforme

seu expediente, era “uma publicação da

66 Id., nº 5, maio/1994.

67 Idem.

Sambaxé CONSULTORIA, EVENTOS e

PROMOÇÕES”. Do n06 (nov/dez/1992)

ao n09 (maio/1993) não há referência à

instituição promotora. A partir da décima

edição, o jornal passa a ser uma “publicação

da Djumbay Organização pelo

Desenvolvimento da Comunidade Negra”.

Porém, antes dessa série, saiu, enquanto

informativo do Sambaxé,68 “duas

publicações experimentais, com uma

tiragem mensal de cinco mil exemplares

e com formato tablóide”. Esse relato

mostra que o Djumbay já começou com

uma tiragem muito superior aos demais

jornais da imprensa negra recifense. A

organização Djumbay considera o ano

68 O número 2 é de abril de 1991.

DJUMBAY nº5 . Recife, setembro e outubro 1992.

Fonte: Acervo particular Martha Rosa

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de 1992 como marco inaugural do jornal,

tanto é que o número 8 (mar/abr/1993)

relata que “para comemorar seu 1o ano

de resistência, o Jornal Djumbay organizou

uma comemoração na sexta-feira,

26/03/93, no Palco Nelson Ferreira, na

Casa da Cultura (...)”69. Portanto, em um

ano, o Djumbay publicou oito edições,

garantindo uma periodicidade quase

mensal. Essa experiência de periodicidade

regular, com tiragem superior a 1000

e cinco anos de publicação ininterrupta,

é registrada no expediente.

Desde o número inaugural, o Djumbay

contava com jornalista profissional

responsável; apoio de órgãos governamentais

(FUNDARPE, Secretaria Estadual

de Educação/SEC e Companhia

Editora de Pernambuco/CEPE), profissionais

para ilustração (Amauri Cunha) e

fotografia (Carlo Gonçalo) e um conselho

editorial composto por cinco pessoas70,

além de colaboradores eventuais. Essa

infraestrutura possibilitou ao Djumbay

tiragem de 10.000 exemplares e na distribuição

em parceria com a SEC, os jornais

chegaram aos professores da rede

estadual de ensino. Em setembro de

1993, a Djumbay publicou a “Coletânea

Djumbay” com os dez primeiros números

encadernados, acompanhado de uma

apresentação e um histórico.

Uma característica que o Djumbay

69 Djumbay, nº 8, mar/abr/1993.

70 Gilson Pereira, Glaucia Maria, Lepê Correia, Rosilene

Rodrigues e Verônica Gomes compunham

o grupo mais estável, porém outras pessoas também

integraram o conselho do Djumbay: Edmundo

Ribeiro, Irismar Silva, Nivaldo Sant’Anna e

outros(as).

quis preservar foi a autonomia institucional.

O n°2 da fase do Sambaxé, quando

o Djumbay se auto-identifica como

um “informativo do projeto cultural

sambaxé”71, revela que a busca pela autonomia

era parte do projeto político do

grupo72, pois também o:

(...) O Sambaxé é um projeto autônomo,

com vida própria, que nasceu para

difundir a cultura afro, sem precisar da

“patente” de nenhuma entidade para se

firmar. Não é uma entidade, por isso nos

chamamos de “comunidade Sambaxé”.

Essa postura foi reforçada em vários

momentos. Ainda na segunda edição da fase

Sambaxé, a editoria Osikuambi enfatiza que:

(...) Ele [o Djumbay] é aquele que surge

no momento oportuno, com o objetivo

de articular as diversas correntes de

pensamento dentro do Movimento de

Negros. Pretendemos servir e informar

a nossa Comunidade sobre nossos valores

e idéias culturais, projetos, eventos.

Religião e lutas políticas. Mais uma vez,

queremos afirmar que, a nossa proposta

é sermos um espaço aberto.73

Ao reiniciar a numeração da nova

proposta editorial, em março de 1992, a

preocupação com a autonomia se mantém.

O jornal traz como subtítulo “Informativo

da Comunidade Negra Pernam-

71 Djumbay, nº 2, abr/mai/1992.

72 Na época composto por: Lepê Correia (Coordenação),

Rosilene Rodrigues (Diretora de Comunicação),

Jorge Ribeiro (Jorge Riba, Diretor Executivo),

Iaraci Silva (Secretaria) e Fábia Gomes

(jornalista responsável).

73 Djumbay, nº 2, abril/1991, p. 2. (Fase Sambaxé).

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bucana” e na editoria, “Fala, negritude”,

percebe-se que o público absorveu o discurso

de autonomia e concordou. Vejamos

alguns depoimentos:

(...) Era o que estava faltando: um jornal

que não se limitasse a uma entidade e

sim, a entidades. 74

Com essa nova proposta, o Djumbay

passa a ter fundamento e a atender o

conceito de comunidade, de união, de

um só propósito, como acredito que

deve ser.75

Os relatos acima revelam que a

postura do Djumbay em enfatizar a necessidade

da ampliação dos horizontes

políticos para além das instituições

promotoras dos jornais foi significativa,

mesmo se encontrando vinculado, em

quase toda sua trajetória, a uma instituição.

No entanto, não é essa ou nenhuma

outra assertiva que garantirá distanciamento

entre o projeto político do grupo

gestor do jornal e o projeto editorial do

jornal. São estratégias discursivas diferenciadas

e a meta por uma imprensa

dissociada de uma entidade específica

materializa parte da concepção política

do grupo. Por essas e tantas outras possibilidades,

a imprensa negra em seu

conjunto “(...) constituem rico material

disponível ao olhar do leitor atencioso

ou do estudioso interessado em investigar

as modalidades de construção de

74 Id., nº 1. Recife, março/1992. (Depoimento de

Nado, do Balé Kebiosô.

75 Id., nº 1. Recife, março/1992. (Depoimento de

Gilson Santana (Meia-Noite), presidente do Centro

de Educação e Cultura Daruê Malungo).

discursos identitários no Brasil”76.

O Djumbay veiculava muitos anúncios

publicitários, dentre eles trabalhos

de militantes como o Sebo de Pedro

Américo, as fotografias de Carlo Gonçalo

e a Livro-locadora de Lepê Correia. No

final da “Coletânea Djumbay”, há uma

lista de empresas que “apoiaram com a

prestação de serviços tendo, em contrapartida,

a sua logomarca publicada em

algumas edições dessa Coletânea.”

São tantos os lastros legados pelo

Djumbay acerca da recente história do

MN, que impossível seria registrar todos

aqui. Ressalto as tantas matérias e referências

acerca das organizações negras,

sem desmerecer o ativismo individual

como agente da luta anti-racismo. Para

isso, merece destaque texto publicado

no nº2 (maio/92), sob o título “Quem é

quem em Pernambuco?”, no qual figuram

afoxés, blocos e bandas em atuação

na época.

Muitas outras organizações, inclusive

não enquadradas nas categorias da

matéria de maio/1992, mereceram atenção

do Djumbay. Os textos do Djumbay

registram não só a existência desses

sujeitos políticos, mas suas atuações e

compreensões nos processos de afirmação

cultural, reconhecimento e enfrentamento

do racismo, além de construção

de identidades. São os rastros da história

de uma cidade que precisa olhar mais as

suas negras marcas. Se cada jornal aqui

tratado merece a exclusividade de um ar-

76 SOUZA, Florentina da Silva. Afro-descendência

em Cadernos Negros e Jornal do MNU. Belo Horizonte:

Autêntica, 2006, p.255.

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tigo, o que dizer do Djumbay com suas 11

editorias grafadas em Yorubá e com quase

30 edições, sendo as primeiras com 8

(oito) páginas e as últimas com o dobro.

Um único artigo não comportaria tanta

história!

É tempo de falar!

Resta-me ressaltar que são os jornais

da imprensa negra importante fonte

para a história do Movimento Negro Recifense,

principalmente no que se refere

às representações construídas e alimentadas

pelas organizações negras sobre as

relações raciais na cidade do Recife. Portanto,

é a imprensa negra um espaço para

rostos e vozes negras se apresentarem no

cenário político da cidade com seus sonhos,

dilemas, deuses, músicas, heróis e

heroínas. São esses periódicos, espaços

de revelação de talentos, pois pelas páginas

desses jornais encontramos algumas

poesias e desenhos de Lepê Correia,

desenhos de Jorge de Morais, e poesias

de Inaldete Pinheiro, Fátimo e Maria das

Neves Maranhão, além de textos de autoria

desses e outros cidadãos negros que

encontraram na imprensa negra espaço

para expor suas criações. Provavelmente

muitos leitores e leitoras desses periódicos

só conhecem essas pessoas e suas habilidades

graças à imprensa negra, pois

muitas delas nunca organizaram uma exposição

nem publicaram seus livros. Os

jornais também possibilitaram campo de

trabalho, voluntário ou assalariado, para

diagramadores, ilustradores, fotógrafos

(poucos) e outros profissionais, muitas

vezes da própria instituição. Foram, acima

de tudo, espaços de aprendizagens de

múltiplas habilidades, dentre elas a de

expor as ideias pela escrita ou imagética,

sempre tendo a temática racial como

foco.

Portanto, a imprensa negra recifense

do século XX expressa discursos

que integram uma formação discursiva

que aglutina diferentes segmentos do

Movimento Negro. Discursos marcados

pela valorização do universo cultural e

religioso africano e afro-brasileiro, pela

exaltação de heróis e heroínas negras,

oposição ao mito da democracia racial,

identidade com o continente africano,

uso de signos estéticos e culturais africanos

e afro-brasileiros como marcas

identitárias, pela ênfase à necessidade do

protagonismo negro, visando desmontar

o racismo, pela atuação em diversas frentes,

sendo a impressão de jornais negros

uma delas, pois como frisou o Angola

“nós mesmos é que temos que resolver

nossos problemas”77. Esse chamamento

para a luta já estava presente no jornal

pioneiro da imprensa negra recifense,

“O HOMEM: Realidade Constitucional

ou Dissolução Social”, que em sua edição

inaugural, lançada no Recife em 13

de janeiro de 1876, clamava: “Há tempo

de calar e há tempo de falar. O tempo

de calar passou, começou o tempo de

falar”78.

77 Angola, nº 7, jul/1989.

78 PINTO, Ana Flávia Magalhães. De pela escura e tinta

preta - a imprensa negra do século XIX (1833-

1899). Dissertação (Mestrado em História). Brasília:

PPGHIS/UnB, 2006. p. 86.

Cad

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Martha Rosa Figueira Queiroz
Enviado por ZEGUGA em 08/07/2013
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