Do Angola ao Djumbay: imprensa negra 04
Mauricio, Paulo Cunha, Pancho e outros)
perdemos este espaço”16. Segundo o jornal,
a razão para a vida efêmera da coluna
“Movimento Negro” está no preconceito,
pois foram “(...) as forças declaradas do
preconceito e do poder econômico, [que]
fizeram parar logo nos seus primeiros
anos de atividade”17. No ano de 1989,
concomitantemente à edição do Angola,
a dupla assinava a coluna “Orixás. Coisas
de Umbanda e Candomblé”, publicadas
todas as sextas-feiras no jornal Folha de
Pernambuco. Portanto a militância política
negra, o carnaval e os meios afro-
-religiosos conhecem bem esses dois nomes.
Com essas informações biográficas
dos editores, fica compreensível o foco
do Angola nas questões relativas ao universo
litúrgico afro-brasileiro.
O Angola possuía quatro páginas,
impresso em offset em preto e branco.
Com exceção da edição especial de 2007
que saiu em formato A3 e com duas
páginas, as demais edições tinham formato
A4. Isso garantiu ao Angola uma
identidade visual bastante sólida. Além
do editorial e das publicidades, o jornal
trazia uma seção intitulada Adarrum,
mediante a qual eram noticiados eventos
sociais e religiosos, além de artigos sobre
aspectos gerais da religiosidade. Apesar
de ser essa a estrutura, o Angola tratou
com muita flexibilidade seu projeto editorial.
Os informes compõem, além do
Adarrum, as seções Candomblé é notícia
(1986) e Roteiro (n. 5, 1989). Até o mo-
16 Angola, nº 4, abr/1989.
17 Id., nº6, jun/1989.
mento não foi possível acessar o número
total das edições do Angola e o universo
até aqui analisado consta de 7 (sete) edições,
sendo uma edição especial, assim
distribuídas cronologicamente: uma edição
em 1981, uma em 1986, quatro em
1989 e uma em 2007.
O editorial é mais uma das particularidades
do Angola. Ele só aparece a
partir da edição de 1986 e sem assinatura,
porém com o título “AXÈ”. Do número
4 ao número 7, o editorial vem sem título
próprio, apenas com a identificação “Editorial”
e assinado por Jorge de Morais18,
que sempre o encerrava com a saudação
“Axé”. Tanto a palavra “Axé”19 quanto o
nome do jornal “Angola” são marcas do
vínculo dos seus editores com o universo
discursivo do Movimento Negro, no
que se refere à valorização e deferência
ao continente africano, mediante o uso
de termos de línguas africanas, visando,
com isso, por meio da linguagem, demarcar
uma identidade negra.
O Editorial possibilita acessar a
história do próprio jornal. O primeiro
indica seu objetivo de ser “um meio
para divulgarmos nossa gente, festas e
notícias”; o público ao qual o jornal se
destina: “juntem-se a nós, Federações e
Centros de Umbanda e Candomblé”; e o
posicionamento político: “Este é um informativo
do qual seremos diretores, assinantes,
conselheiros, redatores e, principalmente,
responsáveis pela difusão
das boas coisas da nossa seita religiosa”.
18 Nos números 4 e 5, a grafia é Jorge Morais. Nos
números 6 e 7, subscreve-se Jorge de Morais.
19 Força vital, no idioma Yorubá.
Cad Pesq Cdhis v24_n2.indd 536 01/06/2012 14:27:16
Cad. Pesq. Cdhis, Uberlândia, v.24, n.2, jul./dez. 2011 537
O editorial de 1986 indica como surgiu o
Angola,
(...) tudo começou quando um grupo de
jovens, amantes da cultura afro-brasileira,
teve a oportunidade de realizar uma
gratificante experiência: abrir espaço
num jornal vespertino da cidade a tudo
que fosse ligado ao candomblé, umbanda
e outras manifestações da nossa religiosidade
popular20.
Segundo o mesmo editorial, o “jornal
teve o seu início no ano de 1981 [e]
representa um trabalho do jornalista e
ADVOGADO Edvaldo Ramos”21 e seus
apoiadores, dentre eles Jorge Morais e
Ivan Mauricio Monteiro. Naquele ano,
1986, Ramos foi candidato a Deputado
Estadual pelo Partido Socialista Brasileiro/
PSB e as páginas do jornal registraram
o apoio de muitas personalidades, como
o candidato a Deputado Estadual José
Carlos Guerra e a religiosa e carnavalesca
Badia: “BADIA A MAIS FAMOSA YALORIXÁ
DO PÁTIO DO TERÇO, APÓIA
EDVALDO RAMOS PARA DEPUTADO
ESTADUAL” e o Babalorixá Raminho de
Oxóssi: “O TATA RAMINHO DE OXOSSE
VOTA E RECOMENDA A TODOS OS
SEUS FIEIS NA SEITA, EDVALDO RAMOS
PARA DEPUTADO ESTADUAL”22.
Agremiações carnavalescas realizaram
atividades em homenagem ao candidato
Edvaldo Ramos.
20 Angola, s/n, nov/1986.
21 Os destaques de todas as citações são dos textos
originais.
22 Angola, ano VI, outubro\novembro de 1986.
Além das declarações explícitas de
apoio, algumas agremiações carnavalescas
realizaram atividades em homenagem
ao candidato Edvaldo Ramos. No
Recife, foram poucas as experiências de
integrantes do Movimento Negro no processo
eleitoral ao parlamento. Imperou
a postura de apoio individual em detrimento
do apoio institucional a uma candidatura.
Mesmo os apoios individuais
nem sempre eram divulgados, a sugerir
que segmentos do Movimento Negro só
vieram a público após a experiência de
Edvaldo Ramos, na campanha de Júnior
Afro23, candidato a vereador pelo Recife,
em 2008. Portanto foram necessários 22
anos para que personalidades negras vinculadas
ao universo afro-pernambucano
externassem seu apoio a um candidato
vinculado ao Movimento Negro. Mais
um pioneirismo do advogado Edvaldo
Ramos e, por consequência, do jornal
Angola, que não se furtou de marcar suas
páginas com apoio declarado ao seu fundador
e membro do conselho editorial.
Ainda ressaltando suas especificidades,
destaco a relação desse jornal
com os patrocinadores. O Jornal Angola
foi apoiado por órgãos comerciais, como
as lojas de artigos afro-religiosos, aliança
não encontrada nos jornais do MNU
(Negritude) e do Alafin Oyó (NegrAção).
Além do apoio desse setor, o jornal re-
23 Lindivaldo Leite Júnior, Júnior Afro, ex-militante
do MNU-PE, primeiro coordenador do Núcleo da
Cultura Afro-brasileira da Prefeitura da Cidade do
Recife, historiador e carnavalesco. Candidatou-
-se pela primeira vez em 2008 a vereador pelo
Partido dos Trabalhadores e recebeu declarações
públicas de apoio de instituições e personalidades
ligadas ao Movimento Negro.
Cad Pesq Cdhis v24_n2.indd 537 01/06/2012 14:27:16
538 Cad. Pesq. Cdhis, Uberlândia, v.24, n.2, jul./dez. 2011
gistra o de parlamentares e de um órgão
público24. Pela inconstância dos apoios,
periodicidade irregular e queixas quanto
à falta de recursos para manutenção, fica
nítido que o Angola vivenciou as mesmas
dificuldades das empreitadas contra o
racismo em geral, e da imprensa em particular.
Os parlamentares são de partidos
distintos e o órgão público que o apoiou,
o fez de forma pontual (o agradecimento
só aparece no número 5), o que nos leva
a concluir que tais apoios são creditados
mais a uma articulação pessoal dos editores
do jornal do que a uma aliança partidária
ou uma política pública voltada
para o combate ao racismo.
A comunidade negra, e o Angola é
um grande exemplo, tem vasta experiência
em ter suas reivindicações atendidas
em função de articulação pessoal, dependendo
portando da intitulada ‘sensibilidade’
do gestor público, parlamentar
ou qualquer outro detentor do poder no
momento. Foi assim na publicação da
coluna “Movimento Negro” no Diário da
Noite no ano de 1980 e na coluna “Orixás”
no Jornal Folha de Pernambuco,25
bem como no apoio do Sindicato dos Estivadores
no Estado de Pernambuco e do
Sindicato dos Bancários de Pernambuco,
registradas no n° 6, junho de 1989. Esses
sindicatos eram presididos, à época, por
24 Mais especificamente A Brasileira (tecidos e complementos),
Casa Preto Velho Ltda (artigos de umbanda
e candomblé); Itamar Fotos, Livro 7. Parlamentares:
vereadora Geralda Farias e candidato a
deputado constituinte José Carlos Guerra. Órgão
público: Secretaria de Indústria, Comércio e Turismo
da Prefeitura da Cidade do Recife.
25 Nessas ações, como no Jornal Angola, o jornalista
Ivan Mauricio foi importante aliado.
Adeildo Paraíso, do Terreiro de Xambá, e
por Marcos Antonio Pereira, militante do
MNU-PE, respectivamente. Tal situação
foi motivo de reclamações no editorial da
sétima edição, julho de 1989, quando a
equipe do Angola estava envolvida, via o
INTECAB26 - na realização do I Encontro
Estadual da Tradição dos Orixás/I
EETO. Segundo o referido editorial:
(...) Dificuldades, é tudo que nós encontramos
para promover a cultura negra
no Brasil. Quando é para apresentar as
manifestações culturais negras como
atração folclórica, não tem problemas,
mas quando queremos mostrar que a
cultura negra é coisa séria, aí começa:
vem o puxa-encolhe das instituições governamentais
tipo: deixe o seu telefone
que ligamos depois, o doutor fulano ainda
não despachou, o doutor sicrano está
viajando, e por aí afora.27
O I EETO foi realizado no período
de 4 a 6 de agosto de 1989 e foi importante,
também, para o Angola. Pois, no
período de abril a julho de 1989, saíram
quatro edições do Angola, todas elas trazendo
chamada para o evento, inclusive
a programação completa do I EETO, que
foi realizado no Centro de Convenções do
Recife. O envolvimento do Angola com o
I EETO se justifica pela vinculação dos
editores com o INTECAB, órgão promotor
do evento, e pelo fato de que o Angola
não ter se afastado de sua temática central:
a mesma do encontro. Daí ser a te-
538
26 INTECAB – Instituto Nacional de Tradições
Afro-Brasileiras.
27 Angola, nº6, jun/1989.
Cad Pesq Cdhis v24_n2.indd 538 01/06/2012 14:27:17