Mister Rhunter

Mister Rhunter

O gado estava todo no recinto. Não havia mais espaço para ninguém. Todos os acentos estavam tomados.

Mister Rhunter ocupava o lugar de honra, aliás, era por ele que todos estavam ali, era ele quem todos almejavam ver.

Era o único boi zebu do recinto. Os outros todos eram nelores. Ele não era igual aos da sua volta. Ele se julgava melhor e nunca fez questão de esconder isto.

Aproveitando o desprezo pela vida alheia dos outros animais, acrescido de uma inteligência única doada pelo Criador e, somado com a imensa letargia mental que, por aquele tempo, assolava boa parte da humanidade. Ele deu seu golpe!

Sem que ninguém se apercebesse, para surpresa de todos, eis que Mister Rhunter elege-se vereador em uma cidadezinha do interior, esquecida no meio do nada e desprezada pelo mundo civilizado.

Em pouco tempo, a notícia de um boi vereador se espalhou. Jornais, revistas, câmeras de TV, antenas parabólicas e ondas de rádio, todas queriam captar as imagens e mugidos do boi que havia se tornado político.

Pois é. Deram asas ao boi e o boi não se fez de rogado. Contando com o apoio dos vegetarianos, ecologistas e dos nelores, ele cresceu e soube com maestria galgar os degraus da fama. Em pouco tempo era prefeito. Em seguida deputado e, não demorou tornou senador.

E agora ele estava ali.

Durante todo o dia caminhões saíram pela cidade e circunvizinhança buscando os convidados. O evento havia sido preparado com muita antecedência. Não poderia haver falhas. De entrada foi servido farelo de milho, como prato principal foi oferecido feno australiano importado especialmente para a ocasião. Para dar

encerramento à tão grande acontecimento cana de açúcar moída, para adoçar a boca dos convidados.

Após estarem saciados com o banquete, Mister Rhunter pôs-se em pé. O silêncio imperou absoluto. O senador iria falar. O primeiro boi a galgar a rampa do congresso nacional. Nunca um boi havia alcançado tão alta posição.

Fundamentado em discursos farisaicos, associado com uma medida de hipocrisia e acresce-se a isto, o fato de ser o único animal a se envolver em política, toda esta junção de fatores juntas fizeram de Mister Rhunter, o boi mais famoso daquele tempo.

E, agora ali de frente aos seus, se postava ele, envaidecido em sua grandeza.

De quando em vez a cena se repetia. Mister Rhunter deixava os palácios e templos da insanidade humana do planalto e vinha visitar os seus amigos nelores, os quais julgava seres inferiores e pequenos, ostentar o seu poder.

Durante alguns minutos, não podia ficar perdendo tempo com tipinhos, proferia suas palavras. Era ovacionado. As lentes da TV, o ócio do povo, captavam cada cena, cada aplauso, davam seus closes em cada gesto e olhar da platéia extasiada.

Não bastasse um boi voador, agora, um boi político. Isto tudo somente fazia a fama do boi zebu senador aumentar. E, ele ousou mais, queria mais.

Saiu candidato a presidência. A notícia correu o mundo.

Como poderia?

Um boi presidente!

Que sucede?!

Que passas?!

Onde estamos?! Meu Deus?!

Que país era aquele, que povo é este que quer ter um boi por presidente?

Emissários internacionais foram enviados, embaixadores, diplomatas e presidentes. Nada adiantou, de nada valeram os esforços. Eles se mostravam irredutíveis.

O resultado não poderia ser outro.

Ta lá!

O boi zebu tornou-se presidente e assentou-se em seu trono, importado e mandado ser esculpido por encomenda na Índia, pendurou a faixa presidencial no pescoço e diante dele, a imensa população para dar as boas vindas ao novo presidente.

Mister Rhunter, o boi zebu presidente.

No dia seguinte ao da posse baixou um decreto proibindo o consumo de carne.

Foi o caos! Ninguém queria abrir mão do churrasco de domingo, do x-burguer, do chopinho à beira da piscina acompanhado de picanha. Isto não?

Um boi presidente sim, mas sem carne não!

Ensandecidos invadiram, com um enxame de abelhas, e tocaram fogo no cerrado. Destruíram seus palácios, saquearam seus tesouros, estraçalharam seus monumentos erigidos para testemunharem a estupidez do homem, pisotearem em tudo e quase nada sobrou.

Por final, desarraigaram Mister Rhunter de seu cargo e o assaram na própria lenha de seu trono.

Fizeram churrasco do coitado!

Triste fim para o boi zebu presidente.

Mas, onde já se viu!

Um boi presidente!?

Jeferson Bortolo

jeffbortolo@estadao.com.br

Jef Bortolo
Enviado por Jef Bortolo em 09/05/2008
Código do texto: T982343
Classificação de conteúdo: seguro