O que a gente é todas as noites...
A gente vê tudo em um sábado à noite...
A gente vê a linguagem informal das esquinas, nas crônicas de luxo dos calçadões... Onde descansam em paz os bebuns de nossa hora. O céu que parece tocar o chão na neblina que vai descendo devagarinho. É frio...
A gente vê as igrejas lotadas de pessoas e de esperanças... O pastor esbraveja gritos insólitos, audíveis em todas as ruas de uma cidade em uma noite quase vazia... Os passantes veêm o total êxtase divino de quem se apega à única chance de sair do fundo do poço... Dai-lhes forças, para não caírem na tentação da mentira em nome do Senhor... Santa paciência...
A gente vê os transuentes que tentam se proteger do frio, no calor de um casaco ou do corpo do outro. Pelos menos há amor - será? As ruas, cada vez mais escuras, parecem se fechar e se abrir... As pedras das ruas ainda não asfaltadas nos fazem tropeçar ou pisar no lamaçal pós-chuva que se forma... E a gente vai para onde os postes amarelados são visíveis e onde deve haver, com muita incerteza, alguma segurança...
A gente vê carro batido, capotado... Gente que a gente vê morta sob os escombros da irresponsabilidade. A gente se espelha na segurança para depois quebrar o espelho e não saber mais quem a gente é... É gente, quem?
A gente vai dormir e sonhar com um dia melhor... Mas antes a gente escreve o dia de forma informal para todos entenderem... A gente é assim, se esconde do frio e busca esperança; morre e ressucita na segunda de manhã...
A gente é assim, todas as noite...