A carga de um nome

Os nomes obedecem a uma voga. De repente as crianças de determinada década ou ano levam todas o mesmo nome. Parece uma leva que nasceu para assim se chamar. Curioso.

Depois da tragédia havida em São Paulo, em 29 março de 2008, em que a polícia evidencia que a família é suspeita da morte brutal da própria filha, o nome Isabella tornou-se ao mesmo tempo um nome que clama justiça e que perdoa. “Consagrada a Deus” é o significado do nome. Lindo nome que agora carrega essa mácula. Tempos vão-se passar para que a memória adormeça a monstruosidade havida, e o nome retome o seu significado em plenitude. Salva de palmas para nós brasileiros que, afligidos por barbáries de tudo quanto é tipo, vindas de tudo quanto é lado, temos o dom de adormecer um desgosto rapidamente. Que tudo se esclareça na mais pura verdade, pouco importa qual seja ela, que motivos a causaram, que proteção possam esconder, que atinja a quem atingir para que todos possam também dormir em paz – desejo.

Tenho uma amiga, grávida, e sabendo o sexo já tinha escolhido o nome: Isabella. Outro dia, como se não o soubesse, perguntei-lhe se já tinha decidido o nome do bebê, e ela prontamente me respondeu: “Cruz-credo, já mudei, é Isabe L L I I I”. Fez questão de frisar longamente. Quer dizer, nada alterou com a mudança do nome, ao mudar uma letra, com a ênfase que deu, seu espírito ainda evoca o trágico acontecimento. Cada vez que chamar a filha, haverá de se lembrar da outra: o nome levará a carga negativa da tragédia.

Esse é um nome que deveria ir para a geladeira, de quarentena.

Apesar de que muitos brasileiros, ao contrário, darão o nome em homenagem à morta e farão questão de contar à filha o porquê. Quer dizer viverão com o fantasma da outra atrelado ao próprio nome. Uma lembrança adversa, pois embora seja uma catarse dos pais ante a atrocidade, que tem a filha que vai nascer ou recém-nascida com isso? Ela deve ter um nome só dela, que a identificará entre todas por ser única, embora outras crianças tenham o nome igual. Cada ser é uma maravilha única. Ninguém compensa ninguém.

Também o nome Bernardo. Há uma voga por aí. Significa “Forte como um urso”. Mas ao mesmo tempo da leva, a novela “Duas caras”, da Globo, tem um personagem gay, Bernardinho envolvido numa relação homossexual. O papel veste bem o significado, pelo que enfrenta o personagem – um urso, para se fazer valer como ser humano com direitos e obrigações dos ditos normais. Este apontamento desveste-se de preconceito, pelo contrário, as diferenças sexuais sempre existiram na nossa história, ao nosso lado, mesmo que muitos finjam que não. O problema é justamente a cabeça de certas pessoas: sempre haverá alguém a relacionar o nome com o personagem, com o intuito de humilhar a criança e seus pais. Há muita gente assim. Ora se há. Que gostam de fazer comparações ridículas sem pensarem nas conseqüências e, até na própria família, fazem-no com apelidos toscos, mal colocados. Que os Bernardos sejam bem-vindos e sejam ursos brincalhões alegrando nossas vidas.

Madalena. Quem não consegue relacionar o nome com a pecadora bíblica? Só quem não conhece a bíblia. Mas mesmo assim sabe só a pecha. E alguns sempre a repetem ao conhecer alguma Madalena. No entanto, é um nome hebraico que significa “Cidade das torres, a dos cabelos penteados”. Quer dizer nada a ver o comportamento da referida com seu nome. Por que têm as Madalenas de levar a pecha? E precisam ser as Madalenas as eternas redimidas? Quem quer mostrar cultura, fale do significado do nome, da mudança, da atuação daquela Madalena ou cale a boca, bem melhor que exaltar o pior. Há gente que fica a cata de uma brecha para ofender e esconder o próprio defeito. Estes sim devem ser madalenas não arrependidas. Como jacarés comendo a presa, chorando de felicidade.

Nome bíblico é um problema. Os que têm como eu nomes angelicais ou de anjos, arcanjos e serafins sofrem. Todos aludem nosso comportamento com esta esfera. Mal sabendo que Lúcifer também foi um anjo. Mas ninguém põe um nome desse no filho. Ou põem?

E os tais nomes incomuns que os pais colocam nos filhos orgulhosos da originalidade, sem saber o mal que estão fazendo. Nomes como Último das Dores, Décimo do/da fulana etc. Nomes cacófatos como Jacinto Dores Aquino. Há nomes que são palavrões, soam a baixo calão. E os nomes estrangeiros escritos com erros: Washington – Uosxiston. Pacífico Armando Guerra! Há nomes para a gente rir e chorar de tão sui generis, para não dizer até ofensivos que são. Mas há pessoas que os têm. Há quem goste de ter um nome estapafúrdio, pois se sente diferente, claro, souberam conviver com ele. Muitos entram na justiça para conseguir mudá-lo de tantos complexos que adquiriram desde a infância pelos nomes desumanos, até sádicos, que recebem dos pais. Também tem gente que muda seu nome para um bem estranho, justamente, para se destacar. E com a numerologia alguns acrescentam letras, que tornam o nome estranho, alguns impronunciáveis, sem sentido, alguns ridículos, alguns riquíssimos, só para completarem a busca da melhor harmonia com o destino. Como somos complicados!

E quando alguém acrescenta outro nome ao nosso, Maria por exemplo. Nome lindo, mas quem não tem sente-se invadido, como se ficassem apontando uma falha que não se tem. O meu, por exemplo, desde nova têm a mania de me chamar de Angela Maria, por causa da cantora. E ainda falam ‘Angela Maria, a cantora, você canta?’ Tinho birra, não da cantora, mas das mesmas pessoas insistirem. Eu sinto orgulho com a comparação, quem me dera tivesse sua musicalidade, porque cantando sou um vegetariano num churrasco. Por isso, de tanto falar “Não, sou Angela Togeiro’, virei Angela Togeiro, virei Togeiro. Sinto-me única. Houve época de adolescente em Barra Mansa, onde costumava passar férias, em que éramos umas dez Ângelas, havia Ângela, Maria Ângela, Ângela Maria, Ângela Aparecida etc. Era até engraçado, quando a gente estava no clube, na piscina ou nos bailes, em bando... E meu nome não tem acento, mas soa como se o tivesse. Cartórios...

Colocar nome de santo para pagar promessa por graça pedida é tão estranho, mas acontece. E muito. As pessoas contam aos filhos o porquê, quando, e se valeu ou não. Até na minha família há nomes-promessas-alcançadas-e-não-alcançadas. Também há as coincidências. Um dos meus filhos nasceu em agosto, batizado Alexandre. Anos depois descobri um Santo Alexandre de Bérgamo no mesmo dia. Nada a ver na escolha. Havia dois nomes na balança Ricardo e Alexandre. Como nasceu com peso e altura além da média, ficou Alexandre – como o Grande, que era grande só no que fazia. Já o santo era romano, grande no físico e na mente.

Eu gosto do meu nome, às vezes fico pensando como gostaria de me chamar senão Angela. Nenhum me vem à mente. Quando preciso de um pseudônimo para um concurso literário, sofro para decidir que nome poderá me substituir. Nenhum nome pode me substituir, considero que é só um concurso que meu pseudônimo pode ganhar para mim. Como meu representante. Apenas isso, convenço-me.

Cada pessoa constrói em volta do seu nome de batismo uma história única, inimitável no bem ou no mal, faz dele uma alegria para si e para o mundo, ou uma desesperança, ou uma desilusão.

Não é questão de nome é questão de caráter.

Angela Togeiro desde Belo Horizonte/MG-Brasil

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