EU VI A MORTA DE PERTO
Ontem estava andando e passei em frente a um cemitério. Percebi que havia muitas pessoas no salão onde se fazem os velórios e alguma coisa me impulsionou a entrar. Lá dentro, em frente à porta de uma das salas acontecia um ajuntamento de gente e um fluxo grande de entrada e saída de pessoas. Olhei ao redor e vi pessoas chorando copiosamente, outras chorando pouco e algumas conversando e rindo. Pude ouvir algumas frações de bate-papos, coisas a respeito de um certo gol de mão que o juiz não viu numa partida de futebol em final de campeonato ou sobre um fulano que jamais morreria do coração pois é um touro, mas que precisa largar a bebida. Fui caminhando no saguão e olhando os rostos, todos estranhos para mim, já que eu nem sabia quem era o morto e estava ali por mera curiosidade, e como pude perceber, outras pessoas também.
Como a sala onde o corpo estava sendo velado abarrotara-se de gente para dar a última olhada no defunto, saí e comecei a caminhar nas alamedas do cemitério, por entre os túmulos. Fiquei reparando aquela “cidade horizontal”, quase uniforme, com túmulos alinhados e muito parecidos, com destaque para alguns totalmente de mármore, com escritos em letras de latão douradas, com um ar pomposo até. Havia outros menos destacados, em granito ou em revestimentos cerâmicos e uma grande quantidade apenas em cimento mesmo. Mas não foi isso o que me chamou a atenção e sim as fotos que eu via em cada mausoléu, geralmente de casais idosos. Observando as datas ao lado das fotos percebi que os homens eram em média de 6 a 8 anos mais velhos que as mulheres e que elas morreram em média uns 15 a 20 anos depois deles. Apenas em alguns poucos túmulos dos que olhei encontrei homens que duraram mais que suas companheiras. Isso me levou a refletir sobre minha existência. Parado na alameda de um cemitério, em frente a túmulos lacrados, fiquei imaginando que as pessoas que se encontram enterradas já tiveram sua passagem por aqui. Nasceram, foram bebês, tornaram-se crianças, brincaram, algumas estudaram, trabalharam, amaram, foram amadas, tiveram filhos e um dia simplesmente deixaram de existir para ocupar lugar apenas na memória dos que as conheceram e agora ali, num pequeno pedaço de terra coberto por mármore, granito, cerâmica ou apenas cimento, o que não faz, para elas, a menor diferença. Fiquei pensando em como a vida é breve mesmo. Temos que cuidar para não passarmos tanto tempo ocupados ou sonolentos e quando acordarmos perceber que falta muito pouco para realizar tudo o que gostaríamos.
Voltei para o saguão e a sala onde o corpo estava sendo velado já estava quase vazia, então entrei e me aproximei do caixão onde jazia um corpo inerte, pálido, de uma mulher de meia idade, com um aspecto jovem ainda. Logo pensei que se ela foi casada provavelmente seu marido poderia ser um dos poucos cuja mulher se fora primeiro. Cara de sorte! Talvez. Olhei bem aquela defunta em meio a flores, sob um tule e prestes a ter o caixão fechado e ser colocada num túmulo, debaixo de sete palmos de terra para nunca mais voltar. Quão frágil é a vida! Um dia estarei na mesma condição, mas espero que demore muito, a vida é muito boa se tivermos sabedoria em aproveitá-la. Como diz um sábio compositor: “é preciso saber viver!” Uma frase simples, mas profunda e com muito significado. Há necessidade de muita sabedoria para que não passemos pela vida sem realmente sentir o sabor do que é viver.
Depois dessa breve passagem pelo lado do caixão sob os olhares atentos dos familiares, que certamente se perguntavam quem seria esse estranho, saí da sala e me dirigi para a saída do cemitério quando vi um quadro de anúncios na parede e parei para ler. Um cartaz em especial chamou-me à atenção. Está escrito: escala de exéquias(encomendação). Trata-se de uma escala de pessoas que ministram a encomendação da alma ou algo assim. Até aí nada de mais, não fosse pela frase escrita em letras grandes logo abaixo da escala, que diz: “Não deixe para a última hora, avise com antecedência.” Fiquei imaginando a quem dirigiram essas palavras. Tomara que seja para a morte. Saí do cemitério rindo muito, mesmo depois de ter visto a morta de perto!