UM CIDADÃO.

Robusto ele era, era sim.

Corpulento.

Comia muito mesmo, precisava de toda a energia.

Diziam: é um touro.

Trabalhava muito, fazia horas extras.

Comprou até um fusquinha 74, com rádio AM - FM.

Foram anos de trabalho assim.

Aos poucos, algumas rugas lhe corroíam a face, pelas beiradas, como acontece sempre.

Sulcos profundos surgiram e mais fundo cortavam a pele.

A mão firme vacilava no martelete.

A vibração da máquina, o calor do asfalto em brasa.

Foi perdendo o apetite, aos pouquinhos definhando.

Mal conseguia erguer-se após horas de trabalho.

Num dia qualquer, não recebeu o pagamento.

A firma quebrou.

Jamais recolheu o INSS.

Não recebeu os direitos trabalhistas. Perdeu no processo. Não fizera a prova do fato constitutivo do seu direito. É...no direito, "justo" e formal, não se conhece da verdade fora dos autos. O papel é o universo real no processo. Se viveu a vida real e não fêz a prova formal dançou, dormiu. É a vitória da raposa.

Ultimamente, tem sido visto peregrinando maltrapilho na fila do INSS. Já faz coleção de senhas mal servidas e nem sequer utilizadas. A greve...sabe...

Já não tem o fusca. Mora sob um viaduto, imundo os dois, com cheiro de mijo.

De vez em quando leva um sacode da polícia. Está tipificado na Lei de Contravenção Penal como vadiagem.

Fuma maconha "por tabela" e o cheiro de cola lhe invade, apesar de não ter vícios.

Queria ser apensas um cidadão.

Num domingo desses, passou a caravana de um partido e lhe deu uma camiseta.

Foi no chafariz da praça. Com todo o pudor, escondeu-se na moita. Tomou um banho higiênico e respeitoso.

Às oito horas da manhã, era o primeiro na fila em sua zona eleitoral.

Votou confiante.

Participou da democracia...pela última vêz.

Morreu em dia com as suas obrigações. Deixou um país cheio de dívidas para com os seus filhos. Os filhos da pátria amada e gentil.

jose antonio CALLEGARI
Enviado por jose antonio CALLEGARI em 03/01/2006
Reeditado em 03/01/2006
Código do texto: T93682