Três Abelhas Mortas
Havia três abelhas mortas.
Três abelhas, como são três as pirâmides do Egito e as divindades do cristianismo.
Três! Como as Moiras gregas que tecem o destino dos mortais.
Três abelhas mortas. Mortas como a volúpia, o brilho nos olhos, o desejo intenso daqueles que agem contra sua vontade. Aqueles que representam o que eu sinto agora.
Agora, o espaço de tempo do já! Nem antes, nem logo mais.
Nesse agora eu não consigo parar de pensar no antes, e nem de temer pelo logo mais.
O antes consiste num filme antigo que eu assistia ainda ontem. Abordava a vida de Michelangelo e suas crises existenciais.
E só os grandes artistas são passíveis de crises? Creio que não. Eu também o sou!
Michelangelo desentendia-se em demasiado com Papa Júlio II.
Pintar apóstolos no teto de uma capela era interessante?
Sim, para Júlio que encomendou o serviço. Mas e o artista? Era este pago e simplesmente incumbido da sacrificante missão de produzir afrescos que não o inspiravam?
Inspiração! Eis a chave para a volúpia, o brilho nos olhos e o intenso desejo que mencionei há pouco.
Eu, leiga que sou, nunca havia parado para pensar no que consistia esta técnica do afresco. Trata-se de uma tarefa assustadoramente árdua. O artista prepara uma argamassa que deposita na parede. Logo em seguida passa os riscos do papel para a parede e já começa a pintar. Se a argamassa secar antes que a pintura seja concluída, a tinta não é fixada e o trabalho é perdido.
Ora vejam que mesmo para um artista inspirado, o trabalho não seria fácil.
Michelangelo sentia-se contrariado. Num andaime que o elevava cerca de vinte metros do chão, não era seu intento pintar apóstolos.
A idéia de reproduzir as passagens do gênesis no teto da Capela Sistina só apareceu mais tarde. O Papa Júlio II, embora não gostasse de sentir-se desobedecido, acabou por concordar com esta proposta do artista, desistindo dos apóstolos. Desistiu em face a INSPIRAÇÃO de Michelangelo.
Então produzir algo, mesmo que fantástico, para atender às expectativas somente de outrem, sem nenhuma centelha da tão perseguida inspiração, que só brota quando não sufocada, é uma grande mediocridade e torna o ser humano infeliz.
E é assim que me sinto agora, em decorrência do ontem que me fez pensar.
E o logo mais? Por que me assusta? Porque temo não me tornar a pessoa que desejo nele. Temo apenas projetar o que a mente de alguém ou de um sistema arquitetou. Temo não ter coragem de destruir o teto feito por mim, aquele que fiz sob imposição da vontade alheia, e pintar no lugar, à minha própria inspiração.
Contemplo agora, no hoje, único tempo que me pertence, as três abelhas mortas que me lembram de quão curta é a vida. Enquanto empresto minha atenção a esta cena e contribuo para compô-la, constato que preferia nem ser lembrada por aquilo que fiz da MINHA maneira, que me contentou, a ser eternizada por um feito não inspirado na minha própria alma.