Nos pastos dos gabinetes
Final de expediente no centro da cidade, vamos seguindo entre esqueletos de ferro dos últimos camelôs. O saco de latinhas já é peso demais para o pequeno Sirizinho. Faltam pets e fitas de amarrar caixas.
Banhado nas gosmas de lama dos esgotos mal lavados, um espectro rouco tosse ao lado. Palavras soltas, quase sem nexo...
- Presta não, moço... Compram não...!
Não me dei por desentendido no ramo de apanhar lixo, sabia que estava falando das latinhas: deixaram de fabricar com alumínio, apenas de ferro – perderam o valor!
- Tô juntando pra fazer uma casa...
Ele, sem entender nada. Sirizinho e sua turma se esbaldando em riso da situação.
Ali perto, o front da limpeza com a mão na massa, de vez em quando, na merda. De dois em dois, - às vezes, em grupos mais numerosos - vão-se enfurnados em roupas amareladas; cor do partido do prefeito. Alguns usam luvas de algodão, como se os fossem proteger das inglórias dos esgotos de rua.
Existe lama maior nessa história: burocracia misturada a gobilice da falta de iniciativa política para ajudar o povo. O gari é proibido de selecionar o material do lixo da cidade. Assim, vai se perdendo uma enorme quantidade de recicláveis, que bem poderiam estar ocupando um monte de ociosos nas periferias de Teresina.
Esses mesmos grupos de gari bem poderiam fazer a seleção no ato da limpeza de rua, remetendo-os para um centro de triagem aos cuidados das associações de moradores - ou outras entidades interessadas... Quem sabe, a própria prefeitura!
Solução simples, mas que passa longe das cabeças tapadas de gabinete.
Hoje, não vislumbramos nesgas de fogo no céu, não houve contraste de cores na impassividade da natureza. A turma da limpeza vai seguindo seu destino. Um tom cinza cobre morros do poente enquanto o amarelo dos garis vai se perdendo no rubro da noite.
Nenhuma cor no final do dia, apenas uma pergunta rouca do morador de rua:
- Moço, essa história de casa de latinha é verdade....!?