QUERIDO ANALISTA
"Eu sei que a sua orientação a respeito da negação é justamente ir de encontro e bater de frente, negando a dita cuja. Apesar de naquele dia eu ter achado que você é muito mais maluco do que eu, hoje compreendo melhor. Devo negar a negação, certo? A idéia é não estimular essa reação maldita frente aos imprevistos da vida, encarando positivamente as situações que se apresentam. É isso mesmo? Eu entendi certo?
De qualquer maneira, estou lhe enviado essa mensagem para fazer um pequeno, porém incisivo e consistente comentário a respeito da minha reação à sua viagem de final de ano. Aqui vai... NÃO APROVO! Isso mesmo, não gostei nem um pouco dessa sua atitude de me abandonar nesse final de ano. Natal e Reveillon são épocas temidas pelos lunáticos de plantão como eu e nesse ano, particularmente e comprovando as minhas suspeitas, o temor não foi menor. E você simplesmente me trocou por uma temporada de quinze dias de paz e sossego em Maceió!?!! Não aprovo!
Explico... Não sei se foi o champanhe ou o recheio do peru, mas na noite de Natal nasceram algumas neuroses novas no meio daquela euforia toda de trocar presentes, abraçar parentes e evitar que o tio Ernesto beba demais antes da meia-noite. A esse caldo, meu querido analista, adicione o olhar acusador da minha "você sabe quem", mais as críticas nada construtivas da minha "você sabe quem" sobre o meu emprego e mais as duras palavras do meu "você sabe quem" sobre eu não conseguir prover o devido conforto à sua querida "você sabe quem". Você consegue calcular o resultado?
E agora, nessa semana que antecede o Reveillon, a ansiedade está tomando conta do meu dia! E eu aqui, sozinho, tentando não entrar em desespero, enquanto você toma banho de piscina sob o sol do Nordeste. Nem mesmo seu telefone responde às minhas chamadas! Aliás, nem tenho muita certeza de que essa mensagem vai chegar às suas mãos... E é por isso, meu querido analista, que a escrevo diretamente do seu consultório que, por sinal, precisa de um sistema de segurança melhor (se eu sobreviver à virada do ano e voltar em Janeiro, o conserto da porta é por minha conta). Pelo menos, na sua volta, vai ficar claro todo o horror pelo qual estou passando, pois deixarei uma cópia impressa dessa mensagem aqui na sua mesa.
Estou no meio de dúvidas cruéis. Não sei se tento evitar, com brindes entusiasmados, esse esmagamento do meu ego durante esses encontros familiares ou se simplesmente me jogo de cabeça no meio da calçada. Como a festa de Reveillon será no décimo oitavo andar, no apartamento da minha "você sabe quem", colocar em prática essa segunda opção, além de causar um impacto bem dramático, não será tão difícil de executar.
Então, meu querido analista, espero que entre um coquetel e outro, você lembre desse seu pobre paciente e volte de sua viagem com soluções e, quem sabe, com um manual de fácil entendimento a respeito de como atravessar ileso aos tormentos do final de ano.
Boas festas!"