Flor da solidão
Como se tivesse uma obrigação com a vida acordava aos poucos e tomava conhecimento do dia conforme abria as janelas da casa. O céu exibia algumas nuvens, e via tantos rostos, sorrisos e olhos gigantes, brancos, bizarros, mas o vento alto as desmanchava e perdia-se a criação, a mesma forma repetida no contorno da sua imaginação.
Mais um dia quieto, e quanto mais quieto o dia, mais inquieta ficava.
Seu corpo franzia estalando na língua o tédio, provocando o silêncio cristalizado nas paredes mudas de uma casa vazia, e tão vazia estava que aceitava sem perceber tudo que à sua volta crescia. Sobrava tempo e solidão, uma solidão que enchia seus olhos, suas mãos, seu colo capaz de aconchegar um sentimento largo. Crescia o eco da mudez a lhe acenar as sombras... ela se confundia. Por onde andara que agora tão perdida não sabia como encontrar o ponto de espera, em algum lugar deixara essa marca, essa deixa, em algum ponto havia a ponta de um grito que esperava por ela. No começo da sua solidão dançava com suas sombras e se projetava nelas, multiplicada nas suas formas a leveza do seu corpo leve, suave no verso e reverso da pétala... era a flor. Uma flor que cresceu em seu canto cada vez mais mudo perdido em raízes a trincar paredes. Queria ouvir sua própria voz, mas faltavam palavras, faltava motivo, queria emoção, inventava um medo e faltava o sentido, não tinha medo da solidão. Por isso esperava que a noite trouxesse o seu choro solitário, um choro inútil e desperdiçado porque ninguém via o quanto era bonita chorando, ninguém sabia que sua lágrima tinha gosto de flor mordida, que sua face ruborizava em pensamentos tolos, frementes e tão necessários...