TRADUÇÃO DE CARTA DE AMOR

TRADUÇÃO DE CARTA DE AMOR

Marília L. Paixão

Eram duas, três, eram muitas. Nunca se deixa de reler e por isso é melhor não ler nenhuma.

Bilhetes escritos às pressas são mais fáceis de serem ignorados. Você lê rápido e decide se vão logo para a lixeira ou se são deletados.

Mas um belo dia chega uma moça querendo lhe pedir um favor. Favor de traduzir uma carta que ela recebeu.

Dependendo do tamanho da carta você já imagina o trabalho que vai dar e lembra-se logo do monte de coisas que você tem para fazer. Sem falar é claro que você não sabe se vai entender a caligrafia do remetente.

Você então encaminha a pessoa para uma outra que adora fazer bico e gosta quando aparecem essas traduções.

Você então fala bem da pessoa, que confia no trabalho e na discrição da pessoa e já vai passar o número do telefone quando essa jovem lhe explica que não tem como pagar pelo serviço e estava contando com sua “caridade”. Mas ela disse “boa vontade.”

Dá vontade de explicar para a pessoa que “boa vontade” é uma coisa e “tempo sobrando” é outra. Sem falar que o tempo seria gasto em provavelmente uma carta adolescente, mas nada sério que eu pudesse qualificar a caridade como uma que me ajudasse a chegar mais rápido no céu algum dia. Talvez Deus fosse apenas rir do meu investimento em tempo de caridade forçada e sem qualidade.

Olho bem para a mocinha e chego a conclusão que ela é do tipo que dá má resposta ao professor, que se acha menos arrogante do que na verdade mostra ser e tento me desvencilhar daquele “favor” que definitivamente eu não faria. Principalmente depois de ter dito que a tal carta era de um cara que ela tinha “ficado”. Veja bem! Essas meninas de hoje em dia ficam e desficam e depois vem trazer dever de casa para pessoas como eu?! Eu já não trabalho bastante?!.

De acordo com ela a carta era de um gringo que conheceu lá em Porto Seguro. Eles tinham transado por causa de uma dança à-toa. Que na verdade ela nem tinha gostado da noitada, mas que o cara se derreteu com seus encantos e não custava saber o que ele tinha para lhe dizer. Deu risada a moça enquanto falava e para mim menos importância teria aquela carta e a minha risada calada por dentro era se eu seria otária que pegaria a tal carta pesada para depois fazer parte da história, pois ela também ia precisar que eu ajudasse a responder...

Sete páginas era a tal da carta... tinha ela dito. Sete páginas! Que absurdo ela pensar que uma pessoa tão ocupada como eu ia dedicar meu pouco tempo livre fazendo tradução de sete páginas... Com o tempo que gastaria para traduzir sete páginas quantas crônicas eu não faria?! Quantas provas eu não corrigiria? Quantos sonhos meus mesmo eu não teria?!

Antes que eu pegasse a tal carta e falasse que não saberia quando poderia fazer a tradução, pois naquele dia ou naquele final de semana é que não daria, expliquei meus trilhões de motivos... abro e vejo que a carta era em Espanhol. Que alívio!!!

- Tem jeito não! Infelizmente não tem como eu te ajudar. Essa língua não é minha praia. Não! Pensei que era em Língua Inglesa!

- Mas ele disse que é americano, que mora lá e tudo! (como iria explicar para ela que metade do mundo mora nos Estados Unidos e uma outra metade já morou ou já teve vontade de morar?)

- Talvez você não tenha entendido direito. Ele pode até morar lá como muitos brasileiros moram lá...

- A senhora não quer é traduzir minha carta e está dando desculpas! Pode falar a verdade!

- Posso mesmo?!

- Pode! Fazer o que né dona?! A senhora não é a primeira que se recusa a traduzir minha carta! Sem pagar ninguém quer traduzir!

- Então tá, minha filha, querer eu não quero mesmo! Mas também não saberia. Este é o motivo principal.

Fora que você nem está aí para o cara, vai querer dar trabalho para alguém só por diversão ou capricho. Essa parte eu só pensei.

A tal mocinha foi embora não muito convencida. Mas imagina, se ela merecia minha caridade?! Pela primeira vez eu me senti muito feliz por não saber uma coisa. Lembrei até do meu primeiro namorado nos States. Dizia ser Italiano e escrevia com traços muçulmanos...mas dessa vez eu também era inocente demais para saber....Disse para minha irmã na época: -Ele me escreveu um bilhete que parece ter mais desenhos que letras... Nada como uma irmã mais velha para matar as charadas da vida quando para nós, elas apenas se iniciam.

Marília L Paixão
Enviado por Marília L Paixão em 25/02/2008
Código do texto: T875254
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