O banquete
A gente acredita no que sente. E o sentimento realimenta a crença. O amor é uma sinapse forte. Uma sinapse que se repete. Por isso a gente ama o que conhece – a sinapse forte, repetida, dá sentido ao mundo percebido, formado por milhões de sinapses por segundo.
O mundo é montado em sinapses. As sinapses encaixam as peças do mundo. A gente crê nas sinapses, que nos delineiam a realidade e fazem do mundo, pra nós, um lugar real.
Para que a realidade cresça e floresça, precisamos de sentimentos fortes – de sinapses conhecidas. O mundo pode ser feio ou bonito: depende do sentimento forjado pelas sinapses.
As ligações nas extremidades neuronais, dentro do ponto criador de universos que é o cérebro humano, não explicam, contudo, a intensa busca processada por trás dos sentidos. O desejo de saber que nos compõe é tão radical que chega a negar-se, como se não restasse outra coisa para os habitantes de uma ilha do imenso negrume povoado de incontáveis outros planetas, estrelas e astros quase invisíveis, por inalcançáveis (como a fronteira do infinito para a vida protozoária, na escala do que vemos lá fora, talvez não muito diferente da nossa).
Negar a pergunta é comum quando a resposta demora ou escapa. O mais difícil é refazer a questão de modo a torná-la nova.
Apesar de sua raiz aparente – no extracorpóreo medido pelos sentidos – tomamos o sentimento por algo profundo. O que acolhemos à flor da pele remetemos ao nosso corpo íntimo. Remetemos à essência do que chamamos humanidade.
Uma essência que ansiamos transcendente, chave possível para os enigmas que percebemos e sentimos. Para os enigmas que somos.
Em um mergulho no conhecimento do corpo íntimo, a alma – essência transcendental em nós – de repente se revela nos porões da matéria viva que, temporariamente, ocupamos. E nos assalta a convicção – ou nos revigora a fé – de que sobram respostas nesta arca: pois deve existir muito mais em nossos genes do que supõe a nossa infante biologia.
No arco mágico a unir a natureza humana à natureza sem humanos, determinismo genético à explosão cósmica, bioengenharia à física das cordas e neurociência à física quântica, a consciência do que há em volta e dentro de si encontra um vasto campo intocado à frente, com o horizonte livre em quase todas as direções.
O banquete das velhas perguntas está só começando.
(Publicada em www.cameracronica.blogspot.com)