Sua vez

Ela não compreendia e não havia o que explicar, mas não se podia evitar um pouco de contemplação, susto, dúvida ou enternecimento à sua presença. Era como se fizesse, não o mundo parar (embora parecesse), e sim, acelerar, recuar e andar de acordo com o seu ritmo. Seu instante dominava os demais instantes: o tempo dela afetava o tempo dos outros.

Sua mágica era mostrar-se absurdamente real, sem precisar exibir-se. Algo se exibia através dela.

Algo digno de mirar-se por horas a fio sem que uma fadiga viesse. Que provocava torpor e inquietude, tão contraditório quanto efêmero e eterno, crucial e desimportante, enigmático e óbvio. E que produzia nos espíritos mais duros inegável apaziguamento.

A paixão declarada seria banal. Calar a poesia, que dela jorrava e para ela tornava, seria difícil. Na mudez atônita de uns e na eloqüência boba dos restantes ela desdenhava evidências da beleza que não via – e que sabia, assim, que não possuía.

Talvez tivesse razão. Aquele espécie de maravilha seminal, concentrada e viva, ninguém poderia “ter”. Ainda que todos pudessem “ver”.

Sua beleza era do tipo que não se repara, não se emenda, não se corrompe, nem se melhora. Que não se põe nem se tira, não está na roupa, na pele, nos pelos, no riso, na nuca, na voz, mesmo que neles se manifeste, como à revelia do corpo, a vida se mexe.

Era a vez dela. O esplendor tocou os que se aproximaram. Pura sorte: a beleza que ela não tinha mas era perceptível como vento no rosto trazia mudanças. Uma dor aguda se amainava. Algum equívoco se extirpava. Sonhos se recuperavam ou se fechavam. Cálculos foram refeitos. Certezas se afrouxaram. Esperanças, renovadas, se empilharam.

Aos olhos que seguiam os seus, sorria sem prestar atenção. Um dia tudo terminaria, e ela se juntaria à busca da multidão.

(Publicada em www.cameracronica.blogspot.com)

Fábio Lucas
Enviado por Fábio Lucas em 10/02/2008
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