Fuga do presente

O esquecimento faz infinito o tempo que a lembrança vê escasso. Para esquecer não há fórmula, talvez sorte. Para lembrar, basta qualquer condição que mine a chance de se distrair da contagem regressiva.

Esquecimento não é dúvida. Duvidar da finitude de tudo é tática existencial que permite a coragem insana da guerra. Mas se a tática não funciona, a iminência do fim recorda a voracidade do tempo, a coragem é diluída na vergonha – numa bravura maior.

Bravo daquele a crer no verdadeiro presente, sem engano, sem disfarce. O presente insustentável como o ser de Milan Kundera, inadiável como a busca detalhista de Marcel Proust. O presente pede a bravura, pois nem se sustenta, nem se adia.

Como explicar a verdade de um instante que muda antes de vir e prossegue mutante até sair? Do instante que somente se cristaliza depois? Ou a urgência de um segundo que por tantos ângulos em nada difere do precedente, ou daquele que poderá ser visto em seguida?

O presente não se explica. A vida é o presente que se desenrola, breve – “infinito enquanto dure”, proclamou Vinicius de Moraes. E cada um de nós tem a sua brevidade infinita. Mesmo quando a humanidade é uma mancha visível, no horror frívolo das guerras, pertence ao indivíduo o presente dolorosamente sentido como tempo desperdiçado.

No naufrágio da loucura a salvação é o esquecimento. Na tortura de uma consciente demência, na terra arrasada de combatentes iguais, de egos quase anulados, dirigir o pensamento para longe pode significar a sobrevivência. Para longe de onde? De si, do presente.

Para os dias banais de uma vida perdida cujo retorno é celebrado em sonho. Para os braços e os olhos do amor longínquo considerado o último e maior dos prêmios. Para o aconchego mental de um deus criado à imagem e semelhança dos tementes ao tempo.

(Publicada em www.cameracronica.blogspot.com)

Fábio Lucas
Enviado por Fábio Lucas em 10/02/2008
Código do texto: T853582