MAIS MILAGRES

Um telefone no meio da tarde me tira da concentração naquela segunda-feira cansativa de trabalho. Uma voz do outro lado da linha informa que encontrou numa lata de lixo, próxima de seu prédio, todos os documentos de minha esposa, caderno da escola, pasta de estágio (ela completaria naquele ano o curso de magistério).

Fiquei sem ter o que dizer por alguns segundos, mas logo depois lhe perguntei onde poderia encontrá-la (era uma mulher) e pegar os objetos. Dadas as informações, não sei como consegui esperar até dar a hora de sair do serviço, minha ansiedade era tremenda, o que será que aconteceu?

Às cinco horas consegui uma carona com um colega e corri para o bairro onde encontraram tudo. Momentos depois, vi-me sentado na cama de casal comprada há poucos meses, para o meu casamento, com os pertences dela em minhas mãos sem saber o que fazer. Fui a uma vizinha amiga telefonar para os pais de Ana, aquela que escolhi para passar o resto dos meus dias.

Minha aflição devia estar aparente, pois todos me olharam com espanto, logo me perguntado o que havia acontecido. Procurei explicar como pude, não sabia quase nada. Liguei, meu sogro não sabia de nada, fiquei mais aturdido ainda. E agora, meu Deus? O que fazer? O que pensar? Minha esposa, meu filho que nem sequer conheci, dentro de seu ventre, onde estariam? Roubo? Não, não pode ser! Seqüestro? Nem posso pensar nisso!

Despedi-me dos meus amigos meio perdido. Andei até minha casa, pequeno barracão nos fundos, única moradia que eu podia pagar nesse início de vida a dois. Estranhei a luz acesa, mas, do jeito que me encontrava, devia ter mesmo esquecido tudo aberto e ligado mesmo.

Engano meu. Quando entrei no meu quarto, lá estava ela, minha mulher, ajoelhada no chão, ao lado de nossa cama, aos prantos. Olhei para ela, ela olhou para mim e os dois, ao mesmo tempo, perguntamos: “o que aconteceu?” Ela se levantou e me abraçou, foi um abraço longo e forte. Sentamo-nos no sofá da sala, olhamos um para os olhos do outro, num silêncio de segundos que nos tornou ainda mais próximos. E a história de cada um se desenrolou.

Ela estava saindo da casa de sua mãe para fazer o estágio numa escola próxima. Tinha acabado de almoçar e se dirigia à sala para pegar sua bolsa. Olhou para o sofá e não a viu. Olhou para o portão da casa e lá estava ela, sendo levada pelas mãos de um larápio, blusa azul, que correu rapidamente para a rua sem deixar vestígio algum. Gritou a mãe, saíram pela rua a fora para tentar ver algum indício do malandro, mas nada. Depois de andar pelo bairro durante toda a tarde, resolveram ir a um supermercado comprar um novo caderno para as aulas do dia seguinte. Só que ela não entendeu nada quando, ao chegar a sua casa, deparou-se com quase todos os seus materiais espalhados sobre a sua cama; a única coisa que passou pela sua cabeça era que podia ter acontecido um milagre dos céus.

A minha história já se sabe. Meus olhos brilharam de alegria em tê-la de volta, em tê-los de volta. Esposa e filho, o que seria dele se perdesse os dois? A moça que encontrou os objetos da esposa nunca mais foi vista, como ela encontrou meu telefone? Não se sabe ainda. É por isso e outras que acredito que Deus existe e que somos todos protegidos por anjos enviados por Ele.