FITA DISSIMULADA

Férias! Oportunidade de fazer mil coisas diferentes, extravasar, esquecer os afazeres, obrigações do dia-a-dia, descansar! Ver filmes, dezenas, centenas, milhares de cenas que nos transportam a mundos totalmente fantásticos, originais, extraordinários! Claro, às vezes aparecem alguns que apresentam realidades “reais” demais para meu gosto! Deixam-me depressiva, choro, soluço, sofro junto com as personagens. Mas gosto, confesso.

Quando a grana tá curta, aparecem umas boas almas que nos oferecem fitas 0800, daquelas pirateadas, gravadas de fitas das locadoras, por espertinhos. Conseguimos duas dessas. Adorei, menos alguns filmes para gastar o meu rico dinheirinho.

Numa delas só havia filmes inéditos para mim, três histórias que eu não conhecia, para assistir tranqüilamente, sem nem me preocupar com o prazo de entrega na locadora.

Uma comédia, primeiramente, para abrir o apetite. Gostei. O camarada, personagem principal, entra em cada fria para poder se casar com a filha de um ex-integrante da CIA; realmente, só fazia asneiras tentando mostrar sua idoneidade para o futuro sogro.

O segundo era de ação pura, adorei! Atrás das linhas inimigas é um filme que segura nossa atenção por todo o tempo. E olha que a qualidade da gravação não era lá essas coisas, mas a qualidade do filme, achei muito boa, por isso nem me importei quando não consegui ler algumas legendas.

O último da fita era um drama americano, brasileiro, acho que mundial: mostra o problema da saúde pública que afeta os menos afortunados da sociedade. Chorei demais, viu! O título era Um ato de coragem; gostei.

Ah! Cansei! Fiquei satisfeita! Cinéfila que sou, adorei a rotina de sessões quase ininterruptas a que me submeti.

Olhei para a outra fita que trouxeram para as próximas sessões e não me apeteceu assistir a nenhum dos títulos ali apresentados, todos eu já conhecia: Os caçadores da arca perdida, passado trocentas vezes na TV, até na sessão da tarde, O último dos moicanos, há poucos dias foi exibido sábado à tarde e um outro, do 007, que não me dá um pingo de disposição para a prostração deliciosa diante do vídeo.

Acabaram-se as férias! Voltei a trabalhar e as fitas ficaram em casa, esquecidas em um canto, sem ninguém se lembrar, ao menos, de devolvê-las ao dono. Até que meu marido resolve lavar roupa e assistir a um desses últimos, mais precisamente o do 007, do qual é fã, esperando a lavagem completa da máquina de lavar.

Quanta ação ele presenciou, quanta movimentação, animação, mulheres, galãs, cenas de euforia e agitação. Tudo isso, logicamente, está sempre presente nos filmes de James Bond, nos dele e também nesse, cuja ação não era nem de longe parecida com a desse espião; era um daqueles filmes que corariam até os freqüentadores daqueles inferninhos de luz vermelha. Sim, era um filme picante, com cenas dessa mesma natureza, um filme totalmente pornográfico, disfarçado, entre arcas de Indiana Jones, índios e espiões galanteadores. Esse último foi extirpado para dar lugar ao outro e enganar, talvez, pais bisbilhoteiros. Mas o título permaneceu fiel na etiqueta da fita.

A surpresa do meu marido e, logicamente, também minha, deu lugar a uma debochada vontade de fazer hora com aquele que foi o culpado de tudo, aquele que fez sua boa ação ao emprestá-las a mim.

O pior do enredo foi que a pessoa que me emprestou essas fitas, que também tomou emprestado de um amigo, foi meu genro, que entrou de gaiato na história. Está até hoje sem coragem de olhar pra mim, com vergonha de se mostrar, com receio do que pode acontecer com o futuro das suas intenções.