O tempo na janela
Olhar para o tempo é uma forma de busca. Para sair do tique-taque interno, a que não se dirige a vista, tique-taque perfeito, que não se gasta nem se dá.
Importante é manter o tique-taque de dentro no compasso da paixão convicta, para trazer à tona o que repousa no fundo, em potência. A plenitude da potência está no ato, na potência que deixa de ser promessa e se inscreve nos limites do tempo. O compasso da paixão convicta não teme o que passa, se expõe e fenece do lado de fora – confia na força do instante esperado que acontece, da surpresa que reconhece.
Olhar para o tempo é olhar o mundo com tempo, que não se tem ou não se usa, quando se diz que não há tempo nem pra piscar. Ver o mundo de perto, como apenas se enxerga pela lente de um longo olhar, capaz de notar os detalhes invisíveis ao olho nu.
Quando o mundo se torna mais próximo, pensamos no nosso tempo no mundo.
A vida não se data, a não ser a posteriori: marcos do nascimento até a saída tem serventia, a maioria, para quem nos enxerga a qualquer distância, em qualquer época. A vida não se data enquanto escorre, pois o tempo não se laça neste momento, agora.
O tempo que consumimos agora necessita de observadores externos, tanto quanto precisamos mirar da nossa janela o tempo que consome o mundo e as suas criaturas: no meio do mato ou de uma rua do planeta onde respiramos, satélite de uma estrela entre bilhões de estrelas destinadas a explodir no universo que surgiu, também, de uma explosão – a explosão criadora do tempo que é a janela em que se debruça o ser.
A matéria ininterruptamente gerada e desfeita ao redor é o cenário que se vê da janela. Cenário posto ao corpo que olha, matéria consciente pelo tempo e para o tempo... como poderia se desvencilhar dele? Como esquecê-lo? O existente derrete igual sorvete em sol quente, na nossa frente, fadado à decadência que conduz à finitude (finitude temporária, na infinita reciclagem de átomos após a primeira explosão).
Para entes atarantados pela consciência de um breve ser, a percepção da janela do tempo é perturbadora. Mas encerra uma possibilidade – a possibilidade que nos permite. Testemunhar a ação do tempo é um privilégio, não uma agonia. Além de um lugar dentro da gente, a entropia e a expansão do lado de fora nos dizem o bastante do lugar onde o tempo fica quase o tempo todo, quando não estamos na janela.
Ao buscar o tempo alheio, no encontro do mundo, podemos voltar ao tique-taque de dentro e compreender, sem pressa, que o compasso da vida não quer laçar o tempo.
Como uma liberdade que era pura potência e, à luz de outras janelas, se vê do lado de fora.
(Publicada no Jornal do Commercio/PE, em 10.01.08)