Elogio da beleza
A experiência estética está no meio da rua. É o interesse espontâneo, súbito, por uma fonte direta de prazer para os sentidos – que chamamos de “gosto”. Ela atravessa a normalidade da rua, rompendo com a ordem dos fatos que desfilam sem atrair-nos especial atenção.
A experiência estética é a descoberta do incomum, do singular – a descoberta da beleza.
A beleza, portanto, não é mito. Tampouco se esconde no outro mundo – o das idéias – imune à observação.
Ainda assim, quando nos deparamos com ela, a beleza vira logo uma espécie de meta (a promessa de felicidade, segundo Stendhal). Como se fosse fácil chegar até ela! E não perder a voz e o controle. Sim, o controle: das palavras e dos gestos que vão com a fala quando se supõe dominar o descontínuo acesso do pensamento ao real. O controle sai do centro e vai às favas, se há beleza.
A beleza desconfigura a nossa programação, esculhamba as rotas que ligam o sensível ao razoável. É um desgoverno benigno, entretanto, necessário até. O desalinho dominante, ao vislumbre da perfeição, é um desalinho didático: atinge em cheio o nosso orgulho, faz-nos humildes frente ao irretocável que desafia a poeira do tempo.
Mas o primeiro efeito da beleza, de fato, é um reverente, insuspeito, absurdo e interminável silêncio. Silenciamos perante a verdade em movimento, feito súditos ou antigos fiéis. A beleza reina – nós sofremos. A beleza fica – nós passamos. A beleza rege – nós a seguimos, se pudermos.
O silêncio dos que são tocados – quer dizer, tangenciados – pela beleza é mais que ausência de ondas sonoras... é a impossibilidade do som na vizinhança do que se basta.
A beleza também tem isso: é suficiente. De repente, um lugar sombrio resplandece, um vulto recluso aparece, objetos comuns ganham chama, momentos banais se preenchem. Os significados vazios, como o tédio, ficam tão vazios que somem. A beleza se impõe e impõe o signo da forma, sem violência, com urgência e precisão.
A forma inteira é a transcendência da forma. O que se vê, raro e simples, tem parentesco com o invisível. Algo como o silêncio para o som – e o avesso da cegueira para a visão. Algo que ofusca sem impedir o olhar, revelando o mistério de uma vez sem temor do deciframento.
Ao se expor assim, desatenta, quase ingênua, ela mal sabe os estragos que causa. (Sim, a beleza pode ser alguém que divide o mesmo ar com os demais, sem conseguir disfarçar o mistério e a graça: “Oh, ela ensina as luzes a brilharem!”, derretia-se Shakespeare, através de Romeu). Se as flores que nascem em seu caminho acabam em suas mãos, muitos inocentes sucumbem de susto. Outros preferem negar o que não se nega impunemente. Porque negar a beleza é abdicar dela – e esta renúncia é tudo o que não pode ser feito.
A beleza exige a paixão. Pela paixão a beleza vive, abre os olhos e se levanta, anda de um lado para o outro, todo dia, em plena rua. A beleza é forte, a beleza existe, e assim que for cantada em verso e prosa, será mote de alegria eternamente.