Parece
Parece, aquela senhora saudosista de certa idade, que até hoje vive num apartamento de Copacabana deixada pelos seus pais, subindo e descendo com muito cuidado e temor pelo antigo elevador com aquele cheiro de sarcófago de tão antigo. Parece se lembrar somente do passado, os volteios pelo Alto da Boa Vista nos Cadilacs pretos, por Paquetá nos fins de semana, quando não esticadas nos feriados pelo Circuito das Águas em Minas, sempre acompanhada de algum político ou empresário de multinacional, mas também com as perpétuas roupas coloridas, o rouge, o batom vermelho nos lábios envelhecidos.
Parece, aquela rezadeira, que amanhece de terço na mão, pela caminhada na avenida, vela acesa o quanto precisa, para o sobrinho passar no concurso, a neta no vestibular, curar da enxaqueca e dar coragem para enfrentar a fila do SUS, do banco para receber a aposentadoria, rezar por qualquer motivo, nem que seja para agradar aos Santos, agradecer a Deus.
Parece, aquela jovem que veio do interior para fazer faculdade, os pais mal dão conta dos livros, da mensalidade, do pensionato, para satisfazer suas vontades, desfilar toda poderosa na Esteves Rodrigues com aquela sandália, aquele conjuntinho, tudo graças ao pequeno anúncio de companhia em alto estilo, universitária, sem medir as conseqüências, sem estar nem aí o aumento da gasolina, do álcool, o anuncio do Banco do Brasil restringindo oito saques no caixa eletrônico e quatro folhinhas de cheque, por mês sem tarifa, a morosidade da Justiça,
Parece, aquela médica, sempre atarefada e sem tempo para cuidar de sua casa, da reforma do sítio, do marido, dos deveres dos filhos, das reuniões na escola, afora esticadas em congressos, reuniões da classe, sempre de branco, enquanto as festas, a vida lá fora, o teatro, o lazer, passam também em brancas nuvens.
Parece, aquela diretora deslumbrada da escola, com os meninos que chegam à porta, os meninos que se vão felizes em algazarra, esperança do dia seguinte, da reforma do prédio, do novo material prometido pela Delegacia de Ensino, dos livros anunciados e ainda não chegados do Governo do Estado.
Parece, aquela mulher simplória, pés no chão, morando praticamente no fim do mundo, sem luz, sem água, mas cansada de ouvir tantas promessas, principalmente depois que veio aquele candidato tomar cafezinho na sua casa, pegar o caçula todo melado e fedendo xixi no colo e que hoje chora de saudade e pena da perseguição que fizeram com aquele homem na Câmara dos Deputados, arrancaram-no injustamente ele de lá, coitado ...um homem santo daquele, meu Deus, de tão bão!
Parece, aquela dona de casa, sem tempo de ler jornais, de se ilustrar, senão debruçada na televisão, sem dar muita atenção aos programas políticos, contentando-se apenas aos comentários com a empregada, afora elogios ao galã da novela, aquele rapaz do Big Brother, quê candidato simpático aquele.
Parece, aquela adolescente, toda cheia de pinces, tatuagens, tênis de cano longo, na maioria de preto, envolvida até o pescoço e onde lhe sobram enfeites no corpo com a música funk, com o movimento estudantil de meio passe nos lotações, com os movimentos de esquerda.
Considerando que o número de mulher no Brasil é superior ao dos homens, conseqüentemente dos eleitores sobre o sexo masculino, não se entende porque com tal diferença e maioria não corresponde até hoje a uma quantidade também maior de vereadoras, deputadas, senadoras, governadoras e nenhuma presidente da República.
Mais parece, ainda talvez, reflexo das escravas das senzalas, das mulheres dos coronéis, as eleições, ainda livres pelo voto obrigatório, da emoção resultam ainda e principalmente na submissão. Mais parece, a grande responsável por nos trazer no mundo na bíblica e amorosa expressão de parindo na dor, mas também a imensa dor de grande responsável pelos destinos do Brasil. Pode não ser verdade mas, parece.