Assim caminha a humanidade
Rosa Pena
Esta semana foi realizada mais uma prévia de nosso natal. Natal 2005. Senti como um mini flashback das prévias anteriores. Somos uma família numerosa e tendo em vista que perdemos nossos pais há poucos anos, passamos a ficar literalmente tontos, sem saber como organizar estes eventos. Em 2001 foi triste. Todos sem estímulo. A ausência deles estava muito latente, não rolou nem o tradicional quebra pau tão habitual nas famílias. Nos anos seguintes a vida foi voltando ao normal e as cadeiras desocupadas começaram a ficar preenchidas pela novíssima geração. Este ano resolvemos arrasar. Afinal, agora temos nossos sobrinhos-netos.
A prévia dessa semana já está delineando como será este natal. Minha família é grande e é a big family.
Minha irmã mais velha é procuradora de justiça, separada, sem filhos, uma causídica de plantão 24 horas por dia. Procurador é aquele que procura defeitos? Ganha bem pra cacete, mas vive estressada por falta de um. Minha outra irmã é gerente de produção de uma boutique, sempre histérica com o mercado, atualmente recém-casada. Mãe dos que já nos deram a nova versão de família. Nossos sobrinhos-netos. Ela vive preocupada com os modelitos de tudo, se está in ou out. Natal tem moda? Eu sou a caçula. Professora, casada com uma filha. Depois que ela cresceu eu fiquei burra. Estranho demais este fato. Os filhos crescem, os pais emburrecem. Nada tenho a ensinar e muito para aprender. Agregue-se a este quadro cunhados e cunhadas, os maridos e mulheres dos sobrinhos, sogros e sogras, ex- maridos que viraram amigos, amigos solitários e solidários só no natal. Agora temos também namorados de filhas! Somando tudo dá pra lá de trinta pessoas. Começamos a resolver o local, já que não temos mais a casa de papai. Optamos por maioria absoluta a casa de minha irmã mais velha, a procuradora rica. Ela diz que é injustiça, pois é uma só pessoa. Sabemos que é injusto, mas fazemos chantagem emocional dizendo que ela é a matriarca da família, a mais "ponderada", a substituta da mamãe, a abnegada, etc. e tal. Resolvido esse item. Aleluia.
Agora vamos à ceia e aos presentes. Quem vai levar o peru? De quantos quilos? O pau começa a quebrar. O peru rola de mão em mão, ninguém quer fazer um peru enorme. Ouço meu novo cunhado, gênero engraçado babaca, fazer brincadeiras imbecis, dizendo que somos frígidas, não queremos peru. Aviso a ele que peru rima com vai tomar no.......!
Vencida, Lourdes uma das agregadas, fica com o bendito. Vai fazer um peruzão! Bem, ainda tem o presunto, a farofa, a maionese, fora bolinhos de bacalhau e outros milhares de petiscos para antes da ceia. Falta também artigos natalinos caríssimos, que as crianças detestam e eu idem. Chamam de coquinhos, para abrir é um saco e suja tudo, mas enobrecem a mesa, lindos de morrer!!!!!!!!!! Hum... As tâmaras, damascos, tudo bem típico de nossa cultura tropical. Arranjo de frutas frescas e as sobremesas! As mouses! Puts!Rabanadas, castanhas, castanhas!!!!!!!! Ouço o grito de meu novo cunhado...Como imaginar um natal sem castanhas? Castanhas são essenciais em nossas vidas! Alguém pode imaginar o mundo sem castanhas? Devia fazer parte da cesta básica. As bebidas... Todos tomam cerveja e refrigerantes, mas no natal além da cerva tem que ter vinhos e champanhe. Espumantes finíssimos. O pau já está comendo e ainda não chegamos aos presentes. Grito que o item presente será o último, por ser um tópico extremamente problemático. Ano passado foi amigo oculto, mas parecia pelos presentes que era inimigo à vista. Tento avisar que não dêem mais meias ao vovô Tony, pois ele já tem contadas por minha filha 72 pares lacrados e está com 95 anos; não terá tempo de usar todas. Que tomem cuidado com aqueles presentes cíclicos (os inespecíficos), que acabam voltando para as mãos de quem deu inicialmente. Ouço ao longe discussões paralelas. Agora já se fala do Lula, da Malu Mader. Dispersão geral. Nada resolvido e o consumo de cerveja da prévia está altíssimo. As metas prioritárias abandonadas. Percebo que novamente ficará tudo para as vésperas do natal, resolvido às pressas pelo telefone. Que novamente vovô ganhará meias, meu tio com sua vasta barba loção pós barba; eu, cds e livros que já tenho; minha filha blusinhas manequim 38, ela usa 42.
Começo a rir e percebo que minha saudade não é mais triste. Acho que finalmente comecei a encarar a vida de frente, mesmo com a ausência dos meus inesquecíveis queridos.
O mundo não acaba com as trocas de lugar. Daqui há trinta anos eu ganharei dezenas de alfazemas e comerei sal escondido. Ouvirei ao longe minha neta discutindo quem vai fazer o peru.
Sorrirei. Finjo que esclerosei.
Vovô Tony sorri assim. Assim caminha a humanidade.
*adaptada da original em 2003 ( então é natal/ rosa pena)
foto/ meus sobrinho-netos Felipe e João Vitor.
8 de dezembro de 2005
Rosa Pena
Esta semana foi realizada mais uma prévia de nosso natal. Natal 2005. Senti como um mini flashback das prévias anteriores. Somos uma família numerosa e tendo em vista que perdemos nossos pais há poucos anos, passamos a ficar literalmente tontos, sem saber como organizar estes eventos. Em 2001 foi triste. Todos sem estímulo. A ausência deles estava muito latente, não rolou nem o tradicional quebra pau tão habitual nas famílias. Nos anos seguintes a vida foi voltando ao normal e as cadeiras desocupadas começaram a ficar preenchidas pela novíssima geração. Este ano resolvemos arrasar. Afinal, agora temos nossos sobrinhos-netos.
A prévia dessa semana já está delineando como será este natal. Minha família é grande e é a big family.
Minha irmã mais velha é procuradora de justiça, separada, sem filhos, uma causídica de plantão 24 horas por dia. Procurador é aquele que procura defeitos? Ganha bem pra cacete, mas vive estressada por falta de um. Minha outra irmã é gerente de produção de uma boutique, sempre histérica com o mercado, atualmente recém-casada. Mãe dos que já nos deram a nova versão de família. Nossos sobrinhos-netos. Ela vive preocupada com os modelitos de tudo, se está in ou out. Natal tem moda? Eu sou a caçula. Professora, casada com uma filha. Depois que ela cresceu eu fiquei burra. Estranho demais este fato. Os filhos crescem, os pais emburrecem. Nada tenho a ensinar e muito para aprender. Agregue-se a este quadro cunhados e cunhadas, os maridos e mulheres dos sobrinhos, sogros e sogras, ex- maridos que viraram amigos, amigos solitários e solidários só no natal. Agora temos também namorados de filhas! Somando tudo dá pra lá de trinta pessoas. Começamos a resolver o local, já que não temos mais a casa de papai. Optamos por maioria absoluta a casa de minha irmã mais velha, a procuradora rica. Ela diz que é injustiça, pois é uma só pessoa. Sabemos que é injusto, mas fazemos chantagem emocional dizendo que ela é a matriarca da família, a mais "ponderada", a substituta da mamãe, a abnegada, etc. e tal. Resolvido esse item. Aleluia.
Agora vamos à ceia e aos presentes. Quem vai levar o peru? De quantos quilos? O pau começa a quebrar. O peru rola de mão em mão, ninguém quer fazer um peru enorme. Ouço meu novo cunhado, gênero engraçado babaca, fazer brincadeiras imbecis, dizendo que somos frígidas, não queremos peru. Aviso a ele que peru rima com vai tomar no.......!
Vencida, Lourdes uma das agregadas, fica com o bendito. Vai fazer um peruzão! Bem, ainda tem o presunto, a farofa, a maionese, fora bolinhos de bacalhau e outros milhares de petiscos para antes da ceia. Falta também artigos natalinos caríssimos, que as crianças detestam e eu idem. Chamam de coquinhos, para abrir é um saco e suja tudo, mas enobrecem a mesa, lindos de morrer!!!!!!!!!! Hum... As tâmaras, damascos, tudo bem típico de nossa cultura tropical. Arranjo de frutas frescas e as sobremesas! As mouses! Puts!Rabanadas, castanhas, castanhas!!!!!!!! Ouço o grito de meu novo cunhado...Como imaginar um natal sem castanhas? Castanhas são essenciais em nossas vidas! Alguém pode imaginar o mundo sem castanhas? Devia fazer parte da cesta básica. As bebidas... Todos tomam cerveja e refrigerantes, mas no natal além da cerva tem que ter vinhos e champanhe. Espumantes finíssimos. O pau já está comendo e ainda não chegamos aos presentes. Grito que o item presente será o último, por ser um tópico extremamente problemático. Ano passado foi amigo oculto, mas parecia pelos presentes que era inimigo à vista. Tento avisar que não dêem mais meias ao vovô Tony, pois ele já tem contadas por minha filha 72 pares lacrados e está com 95 anos; não terá tempo de usar todas. Que tomem cuidado com aqueles presentes cíclicos (os inespecíficos), que acabam voltando para as mãos de quem deu inicialmente. Ouço ao longe discussões paralelas. Agora já se fala do Lula, da Malu Mader. Dispersão geral. Nada resolvido e o consumo de cerveja da prévia está altíssimo. As metas prioritárias abandonadas. Percebo que novamente ficará tudo para as vésperas do natal, resolvido às pressas pelo telefone. Que novamente vovô ganhará meias, meu tio com sua vasta barba loção pós barba; eu, cds e livros que já tenho; minha filha blusinhas manequim 38, ela usa 42.
Começo a rir e percebo que minha saudade não é mais triste. Acho que finalmente comecei a encarar a vida de frente, mesmo com a ausência dos meus inesquecíveis queridos.
O mundo não acaba com as trocas de lugar. Daqui há trinta anos eu ganharei dezenas de alfazemas e comerei sal escondido. Ouvirei ao longe minha neta discutindo quem vai fazer o peru.
Sorrirei. Finjo que esclerosei.
Vovô Tony sorri assim. Assim caminha a humanidade.
*adaptada da original em 2003 ( então é natal/ rosa pena)
foto/ meus sobrinho-netos Felipe e João Vitor.
8 de dezembro de 2005