Entre enfeites e lembranças (Crônica 5)
É final de novembro, e de repente me peguei olhando para o vazio dentro da farmácia e pensado, o quão sem vida ela estava a farmácia, especialmente para o Natal. Fui tomada por uma sensação de desespero. Já que 80% do meu dia é passado aqui, me recuso a passar o Natal na farmácia sem um enfeite sequer — Ta maluco! Era como se a farmácia estivesse com anemia: sem cor, sem brilho, sem ânimo, sem nada. Foi aí que me deu um estalo e pensei: "Vou até usar o gorro vermelho para entrar no "clima natalino". E, com esse pensamento, tomei uma decisão.
Fui até o meu chefe e pedi, com toda a minha energia "natalina", para ele comprar alguns enfeites. Eu me ofereci para decorar tudo. Ele, claro, não pensou duas vezes.
Estava sentada na sala dos fundos, finalizando uma poesia que eu estava escrevendo, inspirada por um reflexo que tive durante a semana. E como sempre, ouvindo música, porque, sinceramente, eu não faço nada sem música. Foi quando meu chefe apareceu com uma montanha de sacolas cheias de festões verdes, laços vermelhos, bolas coloridas, luzes piscantes e tudo que ele encontrou para deixar a farmácia com cara de Natal. E se afastou rapidamente, já indo resolver as coisas administrativas.
Eu coloquei a sacola ao meu lado e fiquei encarando os enfeites. A emoção do "clima natalino" que eu estava sentindo derreteu na hora, e o espírito rabugento do Grinch desceu sobre mim. Percebi, de repente, que passaria mais um Natal dentro da farmácia, e, olha, isso não estava nos meus planos. Sim, eu amo o que faço, mas definitivamente não gosto de passar 80% do meu dia dentro de uma farmácia. E, como o Grinch odeia o Natal, eu também odeio trabalhar no Natal. Temos o mesmo ódio, mas em circunstâncias diferentes.
Fiquei ali, encarando aquela ideia de decoração que eu mesma havia dado, só para maquiar o meu verdadeiro sentimento de ódio. Foi um momento de pura ironia. Mas, depois de um suspiro profundo, resolvi que, se era para decorar a farmácia, faria isso com a maior alegria… e um pouco de ódio é claro.
E lá fui eu, colocando cada enfeite com uma mistura de vontade de fazer bonito e a raiva de estar mais uma vez presa à escala maldita da farmácia, nesse período mágico (mas nem tanto) do ano.
Pronto! Enfeitei a loja! Essa era minha segunda vez me envolvendo com o Natal. E, de repente, me peguei pensando: eu não me lembro de nenhum Natal da minha infância. Nenhum! Isso me deixa completamente abismada, porque as poucas lembranças que tenho são de momentos muito marcantes — ou extremamente felizes ou, por outro lado, bastante difíceis.
No entanto, existe uma lembrança da infância que, de algum jeito, se conecta ao Natal, e é a do Ano Novo. Depois de um episódio muito intenso, quando minha mãe tentou se matar bebendo água sanitária, a locadora da casa que morávamos, ali na frente, faleceu, e, com isso, tivemos que nos mudar.
Uma semana antes da mudança, minha mãe chegou com a notícia, sem que eu soubesse de nada: "Nós vamos ter que nos mudar da casa." E essa casa era a minha casa, mesmo não sendo minha de posse, mas era minha casa. A casa que eu amava, a casa que, ao abrir a porta, parecia um jardim imenso cheio de plantas, uma casa que eu imaginava que ficaria para sempre. Quando recebi a notícia, algo dentro de mim quebrou. Eu pensava que passaria minha infância inteira ali.
Mas, como as coisas acontecem, a mudança foi dada. "Ana, nós vamos nos mudar para uma casa aqui perto", ela disse. Eu não lembro muito bem do processo da mudança — tudo parecia tão rápido. Mas, o que ficou marcado, o que ficou gravado na minha memória, foi a nova casa.
Palmital ainda tinha muitas casas de madeira naquela época, e foi em uma delas que nos instalamos. Para mim, foi até bom, porque a casa era de fundo, simples, mas de alguma maneira, eu sentia que ela tinha um pedacinho da casa anterior, aquela que eu tanto amava.
Ela ficava ainda perto da Igreja Santo Antônio, a apenas duas quadras da minha escola, e bem mais próxima da única rua de paralelepípedo da cidade. Aquela rua, que para mim sempre teve algo de especial, parecia diferente de todas as outras ruas que eu já tinha visto. Eu olhava para ela e sentia como se tivesse algo ali, que tornava aquele lugar único, e talvez até mágico, de uma certa forma...
Coincidentemente, a tia da minha mãe que morava em São Paulo, iria voltar para Palmital, trazendo suas três filhas e seu neto. E, de algum jeito, esse retorno foi como se o destino tentasse preencher as lacunas daquilo que eu havia perdido, como se estivesse oferecendo uma nova chance de recomeço, uma nova conexão com o lugar.
A casa de madeira não era a mesma, claro. Mas, de alguma forma, ela carregava uma parte daquela essência que eu sentia falta. Era uma nova casa, mas com o mesmo cheiro de madeira, o mesmo aconchego, como se o tempo e a memória tentassem me abraçar de novo. E, enquanto o Ano Novo se aproximava, eu sabia que, apesar de tudo, a vida continuava, e, com ela, as novas histórias que iriam começar a ser escritas.
Enquanto eles não chegavam, eu aproveitava a casa sozinha. Aquela casa de madeira tinha seu charme, e eu podia andar por ali, explorar seus cantos, e até me sentir um pouco dona do pedaço. Era um espaço pequeno, sim, mas era só meu, e por algum tempo.
Mas, claro, como tudo na vida, a calma não dura para sempre. E aí, meus caros, eles chegaram. A expectativa da mudança era uma coisa, mas a realidade foi bem diferente. O cálculo da minha mãe, para colocar toda a família em uma casa com dois quartos pequenos, uma sala e uma cozinha minúscula, não deu muito certo. Foi ali que o perrengue começou — e ele veio com força, junto com a família dela.
O que antes era um espaço que parecia comportar minhas necessidades, agora estava apertado. Eu sentia que a privacidade que eu tinha até então estava desaparecendo aos poucos... A casa, que antes parecia ampla para mim, virou um lugar repleto de pessoas, de vozes, de movimentos, e de repente, percebi que estava com a sensação de estar em um espaço muito pequeno. Tudo tinha que ser divido entre os filhos da tia da minha mãe, desde roupa, comida, lápis de cor e até shampoo.
Foi aí que começou o primeiro desconforto da minha vida — aquela mistura de falta de espaço físico e emocional. Era como se o ar tivesse ficado mais denso, mais pesado, e eu, que antes me sentia confortável sozinha, agora me via invadida. Muita gente, em um espaço muito apertado. E essa sensação, meus caros, foi a primeira de muitas que eu teria ao longo da vida: a de que, por mais que as pessoas que amamos sejam essenciais, às vezes, o espaço também é!