O homem que subia escadas
Ele subia as escadas, ritmicamente, olhando para os seus próprios pés. Eu o acompanhei com os olhos e quando atingiu o lance de escadas onde eu me encontrava, sentada no último degrau, antevi o acidente que iria acontecer e falei baixinho para não o assustar:
- Não vai me atropelar!
Ele parou instantaneamente e me olhou assustado. Riu e comentou que com certeza iria se eu não o tivesse alertado. Dito isso continuou a subir os lances que restavam e se posicionou na parede em frente dela e atrás de mim por uns 2 minutos, em silêncio. Eu, contemplando a paisagem da vidraça, melancólica e pensativa nada mais disse.
Então ele se movimentou em direção às escadas e iniciou a descida, novamente falando que estava surpreso por ter tido o tempo de não me atropelar. Ao iniciar a descida do próximo lance, parou, escorou-se à parede e confidenciou:
- Com esses já foram 720 degraus subidos hoje!
- Você conta os degraus?
- Conto todos os dias para dar força para subir. Descer é fácil, mas subir é muito cansativo e difícil.
Eu, perguntei:
- Quer dizer que hoje, na universidade, você já subiu todos esses degraus?
- Sim, ele confirmou. Eu subi 720 degraus com esses e vou descer a soma dos 720 quando chegar lá embaixo, mas caminho mais do que isso. Circulo por toda a universidade. Meu trabalho é caminhar, subir e descer escadas o dia todo. Pelo meu aplicativo, hoje, eu já atingi 16 km de caminhada na universidade.
- Meu José! eu disse. Não sabia que tinham de caminhar tanto assim num dia de trabalho.
Ele confirmou que sim, que caminha em todas as escadarias da universidade e explicou que precisa conferir cada andar dos diversos prédios (um deles com 6 andares) e, por isso, não para de caminhar. Usa um aplicativo para controlar os quilômetros e em que posição se encontra em nível de Brasil.
- Como assim?, eu perguntei.
- É que o aplicativo vai me mostrando se eu cumpri as metas do dia e no dia seguinte me mostra como eu estou posicionado entre os que fazem caminhadas no Brasil. E eu estou em 999 na colocação no país.
Em seguida relatou que trabalha nesta universidade desde abril e que trabalha dia sim, dia não. Falou que, no tempo em que trabalha, já somou os quilômetros suficientes para atravessar o Brasil de ponta a ponta. Fiquei impressionada.
Relatou também que achou que tinha emagrecido neste tempo todo caminhando, mas que ao subir na balança há aumento de peso.
Então expliquei para ele que com certeza perdeu gordura e ganhou massa muscular. E isso é bom. Contei que foi assim comigo quando nadava diariamente. Emagreci nas medidas, mas aumentei no peso.
E assim seguimos conversando enquanto ele se preparava para descer novamente. Ainda me contou que também participa de um aplicativo que lhe traz rendimentos financeiros pelas caminhadas todos os meses.
- É quase nada, confidenciou, mas é bom ser recompensado também financeiramente por caminhar.
E dizendo isso, despediu-se e seguiu a descer as escadas (estávamos no 3º andar).
E eu fiquei lá, pensando em como é tão natural ver os vigilantes caminhando devagarinho na universidade sem ter noção do trabalho que fazem, das dificuldades que passam, do esforço físico que é.
E o que ficou mais forte em mim foi sua frase para tentar explicar o motivo de subir olhando para o chão e quase "me atropelar"...
- Tem dias Maria, que quase não dá para respirar ao subir. Quando a temperatura sobe é desumano, quando não estou bem é um fardo bem pesado. Então eu sempre tenho de subir de um jeito diferente para conseguir chegar ao topo. E tem dias que andar de cabeça abaixada, olhos fixos nos pés é o jeito do dia... por isso, quase lhe atropelei...