Mãe não tem jeito.
Mãe não tem jeito.
Pode nos deixar, pelo simples hábito da expressão amorosa, ridiculamente envergonhados diante dos outros, mas não é possível nem legítimo lutar contra isso, o melhor é fingir que não se ouviu nada e esconder a cara, mesmo porque a nova manicure que ela contratou para vir em casa não vai cair na besteira de fazer bilu-bilu num marmanjão de cinqüenta e nove anos de idade. Pelo menos, não o bilu-bilu em que estou pensando.
Trabalho à mesa da sala de visitas, revisando a tradução de um romance espanhol, e pelo papo das duas logo percebo que minha mãe, recém-octogenária no melhor de seu ânimo, resolve mostrar o apartamento à profissional. Parece que a boa etiqueta já não acata o velho costume, mas somos pobres e antiquados, e D. Celina faz isso desde 1943, quando se casou.
Depois de levar a pequena até o living e apresentar-me como o filho que ainda mora com ela (esse ainda é uma orgulhosa e capricorniana marca de território ou de regaço incurável), segue pelo corredor, pára à porta do meu tugúrio e declara com a maior candura: "Este é o quartinho dele."
No meu canto, menos escaldado do que imaginava, corei, sorri amarelo, fiquei azul de raiva (raiva filial, não se assustem), juro que me deu vontade de engatinhar ou enfiar uma chupeta na boca, como naquelas situações em que para conjurar uma infâmia exageramos comicamente uma característica qualquer que nos atribuam. Para ser mais claro, como naqueles casos em que alguém se contorce todo ao ouvir seu nome trocado pelo de outra pessoa.
Defesa inútil contra minha mãe. Não é agora, aos oitenta e dois de idade, que ela vai mudar sua maneira de referir-se aos filhos na frente de estranhos. E depois um homem que não é pai dificilmente consegue julgar de modo correto essas coisas.
Deixemos assim. Afinal, como dizia um tio meu, quem tem mãe não tem medo.
[16.1.2008]