Memórias de um irmão
A vida, muitas vezes, nos surpreende com ausências que chegam sem aviso, e quando partimos, deixamos para trás aqueles que ficam com o peso das perguntas sem resposta. Quando meu irmão JR se foi, senti um golpe que estilhaçou meu peito. Não entendi o que o levou a essa decisão tão radical, e a dor ficou ali, como um eco vazio, tentando encontrar uma razão que, talvez, nunca viria.
O tempo, porém, tem sua forma de suavizar as feridas. Em vez de me afogar nas perguntas sem resposta, voltei ao passado, àqueles momentos simples e felizes da nossa infância. Lembro-me de como ele me pegava pelos braços e girava, cada vez mais rápido, até que o mundo ao nosso redor se tornava um borrão de cores e risos. Quando ele parava, eu, tonta e rindo, pedia "bis", e ele, sempre pronto para atender, me girava novamente. Como eu poderia imaginar que, um dia, ele rodaria pela vida de uma forma que eu jamais conseguiria acompanhar?
Mas havia também as partidas de futebol, onde, naquela época, menina que jogava bola era um verdadeiro tabu. Meninas não jogavam; meninas ficavam na torcida. Eu, no entanto, não me importava com essas convenções e jogava com os meninos da vizinhança. Um dia, meu irmão me viu jogando e se aproximou. Pediu que eu fosse para o gol, e, inocente, achei que ele queria ver se eu era boa também naquele posto.
Caminhei para o gol, com confiança, esperando mais um chute. Mas o que aconteceu a seguir foi algo que eu jamais imaginaria. Ele se preparou e chutou a bola com toda a raiva e dor que eu não sabia que ele carregava dentro de si. O impacto não foi apenas físico; senti a intensidade daquilo que ele estava vivenciando, algo que eu, tão jovem, não sabia como interpretar.
Agora, refletindo sobre esse episódio, entendo que aquele chute não foi só uma brincadeira. Era, talvez, um grito mudo, uma forma de me mostrar algo que ele não sabia como verbalizar. Ele, em sua dor silenciosa, me pedia para perceber o que estava acontecendo dentro dele. Hoje, olhando para trás, meu desejo de “bis” se transformou em saudade e em uma vontade imensa de tê-lo de volta, de girar mais uma vez ao lado dele, até o mundo perder o sentido.
A ausência de JR ainda é pesada, mas guardo essas lembranças como tesouros, momentos preciosos que ninguém poderá arrancar de mim. O sorriso dele, o calor de seus abraços, e a forma como ele me ensinou, sem saber, que há dores que não se podem medir, mas que, ainda assim, deixam um legado de amor e saudade.