Jésus de Deus, que que é isso?
A estranha coceira começou a transitar pelo meu corpo no começo da noite, quando cheguei do trabalho. A coisa descia às pernas, subia de novo, coçava na barriga, deformava meu rosto como o da menina do filme " O Exorcista". Ficou ainda mais assustador quando entramos no cine Tamoio pra ver um filme. Estamos falando de 1970, 71.
Meu primo Jésus Júnior, o Zinho, me deu carona no seu Fusca e lá fomos nós pro cinema. A coceira incomodava, mas não assustava. Porém, quando entrei na antessala e me vi no espelho, aí sim, me apavorei: havia um caroço no meu pescoço, desculpem a rima. Cocei, o caroço sumiu, mas rondava meus ombros e descia de novo para as pernas.
Embora meio amedrontado, o certo é que assisti ao filme completo, mas começava a preocupar-me de verdade. O trem descia, subia, subia, descia, aí comecei a ter medo. O que seria aquilo? Mesmo assim, voltamos pra casa da tia Eugênia, irmã de meu pai. Lá morei no começo da minha vida de adulto, entre 1969 e 1971. Tia Eugênia (que saudade!) foi logo na jugular: pediu ao marido para levar o sobrinho urgentemente ao SAMDU (Serviço de Assistência Médica Domiciliar e de Urgência).
Chegamos lá, sala lotada de gente aguardando atendimento. Para atender, no horário de meia-noite, um enfermeiro apenas. O coitado se desdobrava para fazer ficha e atender o que podia. Dizia ele que o médico estava "descansando", mas que já voltava. Ele saía detrás do balcão e vinha ver cada um. Chegou a minha vez:
- E você? O que está sentindo?
Conto, ele dá logo o diagnóstico:
- Comeu coisa estragada. Vou te aplicar uma injeção. Vai passar e logo o médico vem te atender.
Foi lá dentro, voltou com a agulha, mandou ver. Mas foi só a medicação começar a correr pela minha veia e tive um piripapo. O mundo rodou, senti uma pressão enorme na cabeça, como um avião ao mudar seu percurso na decolagem. Em seguida, perdi os sentidos. Isso deve ter durado um minuto, dois, sei lá. Quando acordei, muita gente em volta de mim, o enfermeiro apavorado, deve ter pensado esse garoto ia morrer. E já se sentia culpado: tinha me dado uma injeção de adrenalina.
Tio Jésus, que tinha ficado quieto até aquele momento, foi no carro e voltou com um revólver:
- Cadê o fdp do médico? Tá dormindo onde? Me leva lá agora...
O enfermeiro disse, vou buscar ele, fica tranquilo, senhor, vou buscar ele. ..
Tio Jésus, peso-pesado, saiu atrás, revólver na mão. No caminho já encontrou com o doutor, meio sonolento, todo descabelado, avental amarrotado, perplexo com aquele "cenema", como dizia meu avõ materno.
Recuperado, depois de meia hora, pedi logo pro meu tio me levar pra casa. Não lembro se o médico passou remédio. O pobre do enfermeiro foi que deu o laudo na saída, assim meio à bangu:
- Só pode ter sido o peixe que você comeu no almoço.,,