CONFESSO QUE É PREGUIÇA

Nessa onda de confessar meus pecados, por didática e conselho de um padre amigo de minha filha Carolina, de quem gosto, e busco agradar, reuni minhas faltas resumindo-as em sete grupos popularmente conhecido como os sete pecados capitais. Hoje após exame de consciência, quero discorrer sobre minhas preguiças.

Minha mãe sempre fala, que a mãe dela falava, que a preguiça é a mãe de todos os vícios. Creio que vovó esteja certa. Pois meus vícios surgem nos momentos em que a preguiça abunda em meu ser. Mas tudo começou, como sempre, na infância, na primeira infância, diga-se de passagem. Mesmo sendo natural, dormir nessa fase da vida além do normal, muitas vezes acordei com o chato do Tio Herculano a dizer que eu era preguiçoso. Que eu só sabia dormir. Tinha até uma alcunha: “o come e dorme”. Hoje diria ao tio, se estivesse vivo: “O que mais faz um bebê seu velho implicante?”

Certo ou não, as palavras de Tio Herculano impregnaram fundo em meu inconsciente. “Preguiçoso, esse menino é preguiçoso!” Dizia em alto e bom tom. Eu mal sabia o que significava essa palavra. Mas entendia bem, a medida que repetia a expressão maldosa e minha associação neurolinguística naturalmente absorvia. Assim, me tornei um autêntico preguiçoso. Jamais admitido, é claro! Não é bom socialmente falando aceitar que se é um preguiçoso. Soa mal! Soava, vamos deixar claro. Aos 99 anos, ganhamos uma liberdade de ser quem somos, sem medo do julgamento. Julgamento humano, deixo claro. Do julgamento divino morro de medo.

Minha filha Carolina me incutiu, agora na “tábua da beirada” dessa minha vida, o pior legado que um ser humano pode receber. Culpa! Isso mesmo, sentimento de culpa. Logo eu que vivi assim tão livre, vou agora sentir essa carga desnecessária. Mas uma vez sentido, e concluído que tenho minhas pendencias com o Pai Eterno e sua justa justiça, estou eu cá a confessar minhas misérias humanas.

Vovó estava certa, a preguiça é mãe dos vícios. Tudo que é prazeroso, é viciante e a preguiça me empurrou e empurra para tantos vícios que com labor e esforço cultivei, em minha quase centenária existência.

Na infância, brincar foi fascinante, mas juntar os brinquedos não foi coisa que fiz. Quando não tinha como escapar, ou ajuntava-os de qualquer jeito, sem esmero. Ou as vezes, subornava o coleguinha ou primo para que o fizesse por mim. Na escola, era muito bom para merendar. Voltava na fila quantas vezes pudesse. Gula e preguiça são comparsas. Adorava conversar, correr, divertir-se, mas a preguiça me dominava à hora das tarefas escolares. Troquei, várias vezes por futebol, as lições de casa. Lições que fazia as pressas, com garrancho no portão da escola. Chegava mais cedo, empurrado pelo meu pai, que me dava uma carona. Acordar mais cedo não era bom, mas pior era ir a pé. Assim minutos antes do João Porteiro permitir a entrada, estava eu a recuperar o tempo não usado nas tarefas escolares. A TV era mais divertida!

Nesse tempo de escola, colava sem medo de ser feliz. Mas confesso que com cola dos colegas medrosos. Num pequeno pedaço de papel, escreviam a letra miúda, quase toda matéria, mas não usavam na hora da prova por medo de serem descobertos. Eu salvava o papelzinho, afinal o pergaminho tinha um propósito nobre. Jamais desperdicei o esforço alheio. Apreciava os trabalhos em grupo, e as provas em dupla.

Nas tarefas desanimadoras do lar, varria e tirava pó numa marola só. Nunca gostei de limpeza! Me refiro as feitas por mim. Nunca fui caprichoso, achava que era tempo desperdiçado demais. Sujeira para debaixo do tapete não era só uma expressão. Esmero em tarefas chatas, nunca tive. Subornei minha irmã a vida toda, ora com doces, ora com segredos, dela é claro, que prometia não contar se me ajudasse. Ajudasse não!, se fizesse em meu lugar.

No trabalho, quando enfim arrumei um emprego, nas minhas tarefas, as que me empolgavam dava o melhor de mim. Extraía prazer disso. Sentia autoconfiança, massageava meu ego, mas a tarefas chatas, fiz à força, com baixo capricho. Quando era notado em minha entrega medíocre nessas tarefas, escorregava e me esquivava melhor que o melhor dos pugilistas.

Casei. No primeiro casamento, enfim em todos as quatro, fugia da lida caseira mais que o diabo da cruz. Sentia um mal estar generalizado, ao ver a louça na pia, varal cheio de roupas a recolher, a sala a organizar, a cama a arrumar. Sempre dava um jeito de fugir de tudo isso. Todas as quatro ex-esposas reclamaram tanto, que hoje, não lhes tiro a razão. Que lástima! Eu ignorava as tarefas domésticas ao máximo. Deixava para elas. Já colocava comida na mesa, bastava. Fazia assim minha parte. E quer saber, também merecia meu descanso, como qualquer guerreiro que vinha das batalhas. Em casa queria mesmo era assistir meu futebol bebendo, feliz e satisfeito, minhas cervejinhas. Uma vez largado por todas elas, segui minha vida dando nó em mim mesmo com as tarefas domésticas. A preguiça nos faz acostumar até mesmo com nossos muquifos. Uma decadência.

Poderia aqui discorrer de todas as minhas preguiças, mas confesso que por hoje não quero mais escrever. Não porque não me lembre, lembro sim. Mas vou dizer ao padre que não lembro. Não lembrar permite a absolvição. Fingir não. Mas ele vai ficar com preguiça de me contestar quando afirma jurando que não me lembro de mais nada para essa crônica. Vou encerrar por aqui. Mas não é por preguiça. Juro!

Gleisson Melo
Enviado por Gleisson Melo em 23/10/2024
Reeditado em 25/10/2024
Código do texto: T8180322
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