LER É ABRIR UMA JANELA

 

"Os escritores nos ajudam a nomear os estados pelos quais surgiram, a distingui-los, a acalmá-los, a conhecê-los melhor, a compartilhá-los [...] porque tocam o mais profundo da experiência humana – a perda, o amor, o desespero da separação, a busca de sentido” (Michèle Petit)

 

Olhei pela janela e senti que o dia parecia espelhar o que eu sentia por dentro. Peguei um livro da estante, sem saber ao certo o porquê, e afundei-me na poltrona velha. As primeiras palavras já me envolveram como uma brisa suave, e logo o mundo ao meu redor desapareceu. A cada página virada, sentia-me decifrando a própria alma, como se o autor, com quem jamais trocara uma palavra, conhecesse meus segredos mais íntimos.

 

Ler, como bem afirmou a antropóloga francesa Michèle Petit, permite ao leitor algo mais profundo do que a simples absorção de uma história: é um meio de decifrar a própria experiência. Através das palavras dos escritores, encontramos ressonâncias de nossas emoções, que, muitas vezes, permanecem ocultas até serem nomeadas. Ao ler, não só compreendemos melhor o que sentimos, mas também passamos a enxergar as nuances das experiências pelas quais passamos. É como se, ao observar o reflexo de outra vida nas páginas, pudéssemos entender a nossa própria com mais clareza.

 

Essa capacidade que a leitura nos dá de nomear nossos estados emocionais é um processo poderoso. As palavras de um romance ou de um poema podem traduzir o que, até então, era um turbilhão confuso em nossa mente. Sentimentos como a tristeza, a alegria, o medo ou a esperança ganham contornos definidos quando os reconhecemos em personagens fictícios. Ler nos ajuda a sair do caos interno, permitindo que compreendamos melhor o que estamos vivendo. E, ao fazer isso, acalmamos nossos pensamentos, pois a compreensão sempre traz consigo uma sensação de alívio.

 

Além disso, ao conhecer nossas próprias emoções através das palavras de outros, somos capazes de compartilhá-las de forma mais consciente. Um livro pode nos mostrar que não estamos sozinhos em nossas lutas internas, que outros passaram por dilemas semelhantes e encontraram maneiras de enfrentá-los. Essa troca simbólica, essa ponte entre o que vivemos e o que outros viveram, nos enriquece e nos torna mais empáticos. A literatura, assim, não apenas nos ensina sobre nós mesmos, mas também sobre os outros.

 

Michèle Petit ainda nos lembra que os grandes escritores tocam nas experiências humanas mais profundas: perda, amor, desespero, separação, busca por sentido. Ao ler sobre esses temas universais, podemos reconhecer nossas próprias histórias. Os livros nos permitem ver a dor sob uma nova perspectiva, compreendendo-a como parte integrante da jornada humana. A literatura, assim, nos dá ferramentas para não apenas enfrentar as dificuldades, mas também para buscar significado em cada desafio.

 

Essa é uma busca por sentido de vida, tão presente nas grandes obras literárias, nos faz refletir sobre nossas escolhas e sobre o que realmente importa em nossa vida. Ler, então, se transforma em um ato de reflexão contínua, que nos acompanha além das páginas. É através dessa conexão entre o texto e nossa experiência pessoal que encontramos um terreno fértil para o autoconhecimento e, eventualmente, para a transformação.

 

Quando fechei o livro, já havia anoitecido. O frio permanecia, mas algo dentro de mim havia mudado. A tristeza que sentira pela manhã não desaparecera por completo, mas agora eu podia me compreender melhor. A leitura, silenciosa e discreta, ajudara-me a organizar meu caos interno. Com o livro ainda em mãos, sorri, certo de que as palavras que lera me haviam tocado profundamente – como se o autor tivesse escrito aquele livro só para mim.

Prof Eduardo Nagai
Enviado por Prof Eduardo Nagai em 14/10/2024
Reeditado em 14/10/2024
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