A crônica brasileira

A crônica brasileira

 

Resumo: O gênero “crônica” passa a funcionar desde o século XIX e a trama articulou os discursos da história, do jornalismo e da literatura para constituição do que se denomina crônica brasileira. A dinâmica discursiva do gênero nos permite situar e melhor entender o seu leitor a realidade de seu tempo.

Palavras-chave: História. Jornalismo. Literatura. Crônica brasileira. Crônica

 

 

Analisando como gênero a crônica para a literatura brasileira, principalmente, a partir do século XIX e como a evolução se construiu através de seu percurso discursivo, enfocando principalmente fatos da história e do jornalismo.

 

De fato, há uma trama discursiva entre as diferentes esferas que articuladas ou engendradas permitem a materialização da crônica brasileira. De fato, há um percurso semântico da crônica, que se realizou a partir do século XIX quando ocorreram profundas mudanças no campo político, econômico, social e cultural no país e, que resultou num contexto comunicativo que nos remete ao diálogo com a realidade.

 

Para compreender a história do gênero, recorre-se a Bakhtin e que classificou o gênero como primário, quando constituído por determinados tipos de diálogos orais, ou como gênero secundário quando composto por textos literários, publicísticos, científicos etc.

 

O gênero possui estreita relação com o tempo, expressa em sua farta etimologia, pois a palavra crônica advém de Cronos, o tempo. Na mitologia grega, Cronos ocupa o lugar de vilão, e ele trai os pais Urano e Gaia e se casa com a irmã Reia, a fim de ocupar o trono no Olimpo. Urano e Gaia rogam-lhe uma praga, segundo a qual seus próprios filhos o derrotariam.

 

Para que o desígnio não se cumpra, Cronos devora um a um de seus próprios filhos ao nascerem de Reia. Porém, ela consegue enganar Cronos e, ao dar à luz, dar-lhe de comer uma pedra. O filho poupado da morte é Zeus, que, tempos depois, oferece uma droga ao pai e o faz vomitar todos os filhos antes devorados, os quais unidos, derrotam o pai após uma sangrenta guerra.

 

A passagem mitológica de Cronos mostra a relação etimológica do termo cronos com o tempo, que pretende ser imutável, infalível, porém, inerentemente de qualquer vontade, transcorre e muta sem que deuses ou humanos possam retê-lo.

 

O tempo é senhor de “cronos”, e a partir dessa relação é cunhado o termo grego chronikós, o termo em latim chronicus e o português crônica. O tempo relatado da liturgia, o tempo cronológico linear e o tempo escatológico (LE GOFF, 2003) serviram de referência aos cronistas que relatavam os feitos históricos.

 

Essa importância dada ao tempo nos leva até Platão, que se dedicou ao seu estudo e o definia como a imagem móvel da eternidade. Também Aristóteles o conceituava como “o número de movimento segundo o antes e o depois”. Ambos os filósofos relacionavam a ideia de tempo à de movimento, ao que se passa entre um período, um intervalo.

 

Entre as características da crônica pode-se destacar: textos curtos, linguagem clara, simples e objetiva, uso de humor e ironia para reportar, abordagem do cotidiano das pessoas e cidades, narra situações banais sob ótica peculiar e criativa, marcas nítidas de humor, linguagem coloquial e leveza na linguagem.

 

Na crônica há a ideia de registrar o ocorrido em intervalo de tempo, de servir de memória do que já passou e, tal característica marca os textos produzidos ao longo da história. Na Idade Média, os espanhóis e portugueses, no período das navegações, faziam uso do gênero para relatarem os acontecimentos durante as viagens; assim, as crônicas serviam para registrar para os descobrimentos de outras terras no Novo Mundo. Funcionava como um documento que estaria ligado ao relato cronológico dos fatos.

 

Basta relembrar a crõnica de Coutinho em Crônica Geral de Espanha publicada em 1344 e também o registro de Pero Vaz Caminha sobre o descobrimento do Brasil, marcando a relação do cronista com seu interlocutor. In litteris: “Tome Vossa Alteza, porém, minha ignorância por boa vontade, e creia bem por certo que, para aformosear nem afear, não porei aqui mais do que aquilo que vi e me pareceu”. O registro do achamento da Terra de Vera Cruz assegura à carta a posição de crônica histórica (CASTRO, 2007).

 

Segundo Melo (2002): “A crônica histórica assume, portanto, o caráter de relato circunstanciado sobre feitos, cenários e personagens, a partir da observação do próprio narrador ou tomando como fonte de referência as informações coligidas junto a protagonistas ou testemunhas oculares”.

 

Porém, isso não significa afirmar que seja uma crônica brasileira, e no século XVI esta tinha o funcionamento estreito com a narrativa de viagem, com os testemunhos das conquistas de além-mar, com descrição detalhada do cenário e dos sujeitos encontrados em suas descobertas.

 

Está no relato de Caminha, a sua subserviência também, marcando uma relação assimétrica entre autor e leitor. E, tal posição não foi adotada pelos cronistas do século XIX, que se comunicam diretamente com seu interlocutor, e estabelecem relação diferenciada, que constitui um dos determinantes fatores para a realização do gênero crônica brasileira.

 

Então, até o início do século XIX, a crônica atuava como relato histórico e, o destaque era para os acontecimentos realizados pelos conquistadores e colonizadores. Porém, ao ter contato com as Américas, o termo passou a funcionar de outra forma, pois a palavra galgou roupagem semântica diferente, e estritamente ligado ao jornalismo.

 

A mudança semântica foi percebida pela entrada de outro sujeito no discurso, o narrador nativo, e a partir da chegada da família real ao Brasil em 1808 e da autorização para publicação em jornais das terras brasileiras no mesmo ano.

 

Segundo Meyer, sob a influência dos folhetins franceses, autores brasileiros redigem a crônica à brasileira, publicando-a no rodapé do folhetim. “Tem uma finalidade precisa: é um espaço vazio destinado ao entretenimento. E, já se pode dizer tudo o que haverá de constituir a matéria e o modo da crônica à brasileira.

 

Com o funcionamento da Imprensa Nacional começou a circular o jornal brasileiro que leva ao leitor conhecer as novidades da terra. E, nos espaços de entretenimento do folhetim, há literatos e novos escritores que expressam suas opiniões e as mudanças ocorridas nos mais variados setores sociais.

 

Então a crônica, nesse tempo, constituiu nova forma de informar, em textos que tratavam dos hábitos e costumes brasileiros, daí a denominação crônica brasileira que significa esse discurso daquele momento histórico.

 

Para Fischer, o primeiro registro aconteceria décadas depois do surgimento da Imprensa Nacional: “o primeiro cronista parece que foi Francisco Otaviano de Almeida Rosa, no Jornal do Commercio do Rio de Janeiro, na precisa data de 2 de dezembro de 1852” (FISCHER, 2007), ponto de vista também compartilhado por Coutinho (2003).

 

De acordo com Grillo (2006): “O conhecimento dos gêneros é imprescindível para a inserção em um determinado campo de produção cultural. Entretanto, o processo social de atualização varia de campo para campo. Nas artes, as rupturas nos gêneros e a inversão hierárquica dos mesmos constituem uma aposta capaz de marcar época e fazer nomes de prestígio”.

 

Outra figura que marcou a época foi José de Alencar bem como outros autores como Machado de Assis, que firmou o gênero nas páginas dos jornais e, foi a partir de 1854, quando José Alencar publicou o primeiro folhetim da série "Ao correr da pena", no Correio Mercantil, que o gênero “crônica” ganhou alta categoria intelectual.

 

Na opinião de Fischer, Alencar foi o primeiro a alcançar excelência para seu texto no gênero. Já Costa apontou Joaquim Manuel de Macedo e José Alencar "deram início a uma raça de cães vadios, livres farejadores do cotidiano, batizados com outro nome vale-tudo: crônica".

 

Outro fator que dificulta a identificação do gênero pode estar ligada à sua autoria, pois na primeira metade do século XIX era escrita por jornalistas que não ganharam reconhecimento no campo literário.

 

São os textos de José de Alencar, Francisco Otaviano de Almeida Rosa e Joaquim Manuel de Macedo que dão à crônica sentidos da esfera literária.

 

Nesse ponto da análise, acredita-se ser importante retomar a noção de esfera/campo para entendermos que as palavras, expressões, proposições, podem mudar de sentido segundo as posições sustentadas por aqueles que as empregam; no caso José de Alencar, Francisco Otaviano Rosa e Joaquim Manuel de Macedo ocupavam lugares de destaque na produção dos jornais da época e eram considerados homens de letras.

 

Esses autores entrelaçam gêneros primários e secundários para constituir a crônica brasileira, diferente da crônica à brasileira, como denomina Meyer.

 

A pesquisadora, ao colocar o acento de crase em crônica à brasileira, marca esse período de transição, entre os anos de 1808 e 1950, quando o folhetim era definido por Meyer como espaço de vale-tudo.

 

José de Alencar (2003) explica como a crônica se realiza como discurso e gênero: “De um lado crítico, aliás de boa-fé, é de opinião que o folhetinista inventou em vez de contar, o que por conseguinte excedeu os limites da crônica.”

 

Outro afirma que a plagiou, e prova imediatamente que se tal autor, se não disse a mesma coisa, teve intenção de dizer, porque enfim nihil sub sole novun (nada de novo sob o sol). Se se trata de matéria séria, a amável leitora amarrota o jornal, e atira-o de lado com um momozinho displicente a que é impossível resistir.

 

Quando se falava de bailes, de uma mocinha bonita, de uns olhos brejeiros, o velho tira os óculos de maçado e diz entre dentes: “Ah! O sujeitinho está namorando à minha custa! Não fala contra a reforma! Hei de suspender a assinatura”.

 

Outra diferença significativa para a constituição do novo gênero é o diálogo direto entre autor e leitor(a). Na crônica brasileira, Alencar e o/a leitor(a) estabelecem uma relação de proximidade, quase íntima, conversando tanto com as mulheres como com os homens, o que provoca um deslocamento ainda maior nas posições dialógicas, tanto de escritura como de leitura do gênero.

 

Ao falar da mocinha, do pai e do pretendente, Alencar atrai a atenção dos diferentes leitores, colocando-os como protagonistas na cena enunciativa central da crônica. O/A leitor(a) consegue se ver nesse lugar criado, lhe é familiar. Machado de Assis, ao comentar a produção cronística de José de Alencar, escreveu: “curto era o espaço, pouca a matéria; mas a imaginação de Alencar supria ou alargava as coisas.

 

Descreve Candido (1992): A crônica não é um gênero maior. Não se imagina uma literatura feita de grandes cronistas, que lhe dessem o brilho universal dos grandes romancistas, dramaturgos e poetas. Nem se pensaria em atribuir o Prêmio Nobel a um cronista, por melhor que fosse. Portanto, parece que a crônica é um gênero menor. Graças a Deus – seria o caso de dizer, porque sendo assim ela fica perto de nós.

 

A articulação discursiva entre as diferentes esferas parece exercer um fascínio nos cronistas, porque enquanto de um lado trabalha-se com o tempo, com o cotidiano que são marcas próprias dos discursos jornalístico e histórico, por outro lado mobiliza a fabulação da criação ficcional e poética do discurso da literatura. Assim, a crônica “discursiviza” o cotidiano e permite a possibilidade do equívoco.

 

Machado de Assis mostra ao leitor, em “O nascimento da crônica”, que o gênero privilegia o cotidiano; começando com uma conversa despretensiosa sobre o dia, temperada com expressões em francês, em um estilo que atinge o leitor mais exigente.

 

Aliás, o tema da raça e o término da escravidão foram pontos fundamentais para crítica renovada de Machado de Assis, foi uma voz contrária à escravidão no Brasil, uma instituição nefasta que deixou um miserável legado nas pautas. E, amamentou a cultura de múltiplas formas de segregação, ao ponto de constar na certidão de óbito do imortal escritor que ele era branco. Seria a ironia final que restou com sua morte, de quem como poucos soube muito bem ironizar a vida

 

Indo à frente no tempo, temos Rubem Braga, considerado por Bender como o maior cronista brasileiro, sendo reverenciado por ter um texto com fortes marcas poéticas. E, por meio da poesia, dos versos, repensa o fazer cronístico, na crônica A traição das elegantes - O mistério da poesia.

 

Rubem Braga é considerado uma das raras unanimidades na literatura brasileira. Sua obra existiu diariamente por quase sessenta anos. Foi singular por sua fidelidade à crônica. Um homem de poucas e exatas palavras, o "Sabiá da Crônica" como o rotulou Sérgio Porto, ou o "velho Braga", como ele próprio dizia de si desde a juventude, era exceção entre seus pares por não se intrometer em debates literários.

 

Quando, lhe pediram para que definisse o gênero, encerrou a conversa com humor certeiro: "Se não é aguda, é crônica". Foi um escriba andejo e selecionou para duas dezenas de coletâneas, parte das quais contida em duzentas crônicas escolhidas. Era portador de um lirismo sóbrio e humor agridoce, interessou-se a melhor crítica brasileira, estudiosos como Antonio Candido, Décio de Almeida Prado, Augusto Massi e, David Arrigucci Jr concordam.

 

Na crônica de Fernando Sabino o olhar no corriqueiro e a preocupação com a literalidade do texto são constitutivos do enunciado (“assim eu queria meu último poema”), em sua Última Crônica: A caminho de casa, entro num botequim da Gávea para tomar um café junto ao balcão.

 

Na realidade, estou adiando o momento de escrever. A perspectiva me assusta. Gostaria de estar inspirado, de coroar com êxito mais um ano nessa busca do pitoresco ou do irrisório no cotidiano de cada um. Eu pretendia apenas recolher da vida diária algo de seu disperso conteúdo humano, fruto da convivência, que a faz mais digna de ser vivida. Visava ao circunstancial, ao episódico.

 

Dessa perseguição do acidental, quer seja num flagrante de esquina, quer nas palavras de uma criança, ou mero incidente doméstico, torno-me simples espectador e perco a noção do essencial.

 

Sem nada mais para contar, curvo a cabeça e tomo meu café, enquanto o verso do poeta se repete na lembrança: “assim eu queria meu último poema”. Não sou poeta e estou sem assunto. Lanço então um último olhar fora de mim, onde vivem os assuntos que merecem uma crônica (SABINO apud SANTOS, 2005).

 

Fernando Sabino do muito que já se escreveu sobre ele, a avaliação mais fina esteja O perseguidor, pequeno artigo de Silviano Santiago publicado por ocasião de sua morte. Era um estilista impecável e, o escritor mineiro não foi menos que "o perseguidor do Santo Graal da literatura". Como cronista semanal, seu momento mais alto foi o tempo em que brilhou na Revista Manchete, especialmente nos anos de 1950 a 1960.

 

Em sua página “Aventura do cotidiano”, Sabino não tardou a se consolidar como um dos maiores cronistas brasileiros, capaz de capturar no dia a dia aparentes insignificâncias, situações, histórias, personagens anônimos que com seu talento traduziam crônicas deliciosas e narrativas sedutoras.

 

Indo adiante, chegamos a Luis Fernando Veríssimo. O cronista exemplifica a relação entre autor e gênero, com a seguinte frase: “na verdade, a gente não escreve sobre a rotina, escreve sobre uma quebra de rotina, sobre coisas incomuns que acontecem com pessoas comuns e mudam suas vidas, alguma epifania ou paixão”

 

Machado de Assis, Rubem Braga, Fernando Sabino e Luis Fernando Veríssimo, mesmo com a distância do tempo, e de estilos, entre seus dizeres e produções, mantêm uma mesma compreensão com o gênero: privilegiar o diferente do dia a dia sem perder a graça do dizer.

 

De fato, há um meio certo de começar a crônica por uma trivialidade. Mesmo diante de abrasivo calor, agitando as pontas do lenço e bufando feito touro, ou simplesmente sacudindo a sobrecasaca. O que nos faz mover conjecturas sobre o sol e a lua, e outras que nos remete ao suspiro em Petrópolis...assim era a crônica machadiana.

 

O Bruxo de Cosme Velho tem lugar garantido em uma seleção dos cronistas brasileiros. Ele molhava a sua pena na tinha da melancolia e na tinta da galhofa. Tido, equivocadamente, como alienado das questões sociais de seu tempo, ele abordou, ironicamente, os descalabros da política, a infâmia da escravidão e as mazelas sociais do século XIX, com um olhar oblíquo e dissimulado.

 

O jornalista e escritor Lima Barreto. Ele é, em certo sentido, o anti-Machado de Assis, a quem recriminava como "autor para moças prendadas". Lima Barreto assumia a condição de "mulato, pobre e livre". Com um estilo direto e coloquial, ele criticou, com observações de senso crítico agudo, as desigualdades sociais do século XIX. Exercitava o artigo leve na forma, mas incisivo no conteúdo.

 

Afonso Henriques de Lima Barreto nasceu exatamente em 13 de maio, sete anos anteriores da Abolição da Escravatura no Brasil, em Laranjeiras, zona sul do Rio de Janeiro. Foi filho de escravizados. Em sua breve vida, escreveu cinco romances, contas que fazem pare do cânone da literatura brasileira, obras de sátira, a narrativa dda experiência de vida em um hospício, o Diário do hospício, e anotações de diário.

 

Colaborou, por toda vida, com o que hoje chamaríamos de "imprensa alternativa" e mesmo quando a presença de sua crônica se tornou constante em publicações de importância como da Careta ou na elegante Revista Souza Cruz. Em A Voz do Trabalhador, sob pseudônimo, defendeu a Revolução Russa, em A.B.C escreveu sobre os males e mazelas da guerra e do nacionalismo. Foi um homem da cidade, tinha veias urbanas inundadas de mágoas, de todos os sonhos e todas as dores dos brasileiros. Narrou o cotidiano do Rio de Janeiro, a realidade de subúrbios, a vida de moradores negros, pardos, pobres que viviam para além da Central do Brasil.

 

João do Rio, outro cronista cujo nome verdadeiro dele era João Paulo Emílio Cristóvão dos Santos Coelho Barreto. Esquadrinhou o Rio de Janeiro, com instinto de repórter, a errância do boêmio e o instinto do repórter. As suas crônicas são carregadas de finas observações e lirismo requintado.

 

João do Rio foi um mestre na crônica de costumes e expoente na crônica mundana. Sem esquecer dos livros de contos, romances, peças de teatro e conferências. Nenhum outro cronista da cidade, teve tamanha mobilidade social.

 

É rica fonte de informação para os historiadores dos costumes, mas igualmente um prazer de leitura para leigos, mesclando o rebuscado estilo art nouveau e a objetividade jornalística com pitadas anarquistas, ironias e crítica social. Sua importância para a história da crônica brasileira, mais especificamente, do Rio de Janeiro é imensa. Seu funeral reunir mais de cem mil pessoas em 1921. Desde 1970 vem sendo cada vez mais revisitado.

 

Escritora Cecilia Meireles. A poesia de Cecília é pura música. E ela imprimiu as qualidades de sua poesia na vasta obra de cronista espalhada pelos jornais. A sua prosa é marcada pelo ritmo, a musicalidade e o lirismo delicado.

 

Rubem Braga. Auto-retrato de Rubem Braga Despretensiosamente, ele promoveu sozinho uma espécie de Semana de Arte Moderna na crônica ao radicalizar na subjetividade e inventar novas maneiras de cultivar o gênero: a carta, a divagação vagamente filosóficas, o poema em prosa.

 

 

Guimarães Rosa dizia que os escritores deviam construir catedrais e não fazer biscoitos, mas se rendeu aos biscoitos finos produzidos por Rubem Braga para os jornais, em dramática contagem regressiva contra os ponteiros dos relógios.

 

O polêmico Nelson Rodrigues que foi reconhecido na condição de mais importante autores do teatro brasileiro, Nelson é, também, um dos mais inspirados cronistas tanto no campo dos costumes, da cultura quanto do futebol. Dramaturgo da cabeça aos sapatos, ele promove uma mistura desconcertante de drama e humor contundente. Ele inovou o gênero ao inventar personagens célebres tais como O Idiota da objetividade, O Cretino Fundamental, A Granfina com Narinas de Cadáver, o Sobrenatural de Almeida e o Gravatinha.

 

Clarice Lispector, uma das principais cronistas brasileiras Ao comentar as crônicas de Clarice Lispector, Rubem Braga dizia que ela "só era boa em livro". Mas o mestre do gênero se equivocou. Não percebeu que ela inventou uma espécie de subgênero dentro do gênero: a crônica metafísica. A partir de situações triviais, Clarice pode lançar o leitor a grandes voos de lirismo. Como ela mesma disse, a beleza é o nosso elo com o infinito.

 

O escritor Carlos Drummond de Andrade O mais importante poeta brasileiro também merece figurar na seleção dos cronistas. A sua produção é vasta e desigual. Drummond guardava o essencial para a poesia, mas escreveu belíssimas crônicas, em um estilo, ao mesmo tempo, moderno e clássico, quase machadiano. Inovou no gênero ao fazer crônicas em versos, reunidas na série Versiprosa.

 

Carlos Drummond de Andrade foi um dos mais assíduos cronistas da imprensa carioca, foram trinta anos que compartilhava o café da manhã dos leitores pelo menos três vezes por semana. E, até se despedir em setembro de 1984. Sua crônica encarna uma espécie de poeta em prosa. Seria o prosador que fabrica para si uma persona ou máscara de poeta de férias, ao mesmo tempo de convivência e estrangeiro.

 

Vinicius de Moraes que era poeta, compositor e cronista Vinicius de Moraes Como tantos outros nomes de primeira linha do modernismo brasileiro, Vinicius de Moraes escreveu crônicas para garantir a sobrevivência. Sem chegar a ser um cronista original, ele desfilou a condição de craque com um estilo impecável, combinando leveza , senso de humor e lirismo.

 

Ivan Lessa encarnou uma espécie de ovelha negra da crônica brasileira. Abeberou-se nos clássicos do humorismo norte-americano tal como S.J. Perelman, que foi um mestre da ironia irreverente e ferina consagrado na língua de Groucho Marx. Tinha um pé no surrealismo e outro pé no escracho, e até no lirismo. Não era formado em nada, mas era um saltimbanco do texto. Escrevia sobre qualquer assunto. Paulistano de nascença era obcecado pela cidade e, aprendeu amar o Rio de Janeiro e conviveu com o chantilly da intelectualidade boêmia carioca.

 

Foi no semanário de humor “O Pasquim” que Ivan desabrochou e descobriu a ´nica glória que o consolou: a admiração por seus pares. Ermitão por temperamento, plugado em livros, CDs, TV, DVDs e na internet, ainda mais caseiro ficou após um enfisema que o obrigava a ficar mais de quinze horas ligado a um tubo de oxigênio, que só foi desligado definitivamente em 2012 quando morreu aos setenta e sete anos de idade.

 

José Carlos de Oliveira era escritor, grande boêmio e trabalhador, levado por uma pancreatite em plena luta para entregar em mais um livro a estranha história de sua própria existência. Chegou ao Rio de Janeiro, na então capital da República de bolsos vazios e enfrentou duro período de adaptação tendo por um tempo dividido um quarto de pensão ordinária no Catete com outros dois aspirantes à literatura, o maranhense José Ribamar Ferreira, que teve o nome trocado para Ferreira Gullar. Daquele convívio, em que o afeto e as desavenças se alternavam, restaram os traços escritos de Carlinhos de Oliveira como era chamado. Era dono de uma irreverência incoercível. Por certo, irritou os conservadores ao desnudar as mazelas de uma sociedade resiste aos progressos nos costumes.

 

Afirmou: "Não pertenço a nenhuma classe social" disse ele à jornalista Danusia Barbara em 1981. "Frequento todas, círculo por aí e sou espião de Deus".

 

Dizia-se existencialista, e se definiu como espécie de psicanalista amador da sociedade à sua volta. Foi no Antonio's que concedeu uma bizarra entrevista à amiga Clarice Lispector para a Revista Manchete em 1973, bizarra porque nenhum dos dois abriu a boca, foram perguntas e respostas por escrito, em papeluchos que iam e vinham.

Artur da Távola afirmou que a crônica é a expressão das contradições da vida e da pessoa do escritor ou jornalista, exposto que fica, com suas vísceras existenciais à mostra do açougue da vida, pendurada à espera do consumo de outros como ele, enrustidos, talvez, na manifestação dos sentimentos, ideias, verdades e pensamentos.

 

A crônica para ser boa, afirmou Távola não deve ser mastigada. Deve dissolver-se na boca do leitor, deixando um sabor de vivência comum. Deve parecer que estava escrito há muito tempo na sensibilidade de quem a lê e foi apenas lembrada ou ativada pelo escritor/jornalista que lhe deu forma.

 

Reconheçamos: "Que falta faz o Sérgio Porto!" O que permanece vivo entre nós, infelizmente, só o besteirol que sempre assolou o Brasil. E, Stanislaw (Ponte Preta) mas ainda, pois era Lalau quem cuidava do Febeapá (Festival de Besteira que Assola o País), acrônimo ainda hoje invocado até por aqueles que o conhecem apenas de referência e mesmo ignoram o nome de quem inventou e agitou nas páginas do jornal Última Hora.

 

Sérgio foi um cronista, crítico de cinema, jazz e música popular, redator de programas de humor radiofônicos e televisivos, dialoguista de chanchada, comediógrafo, comentarista esportivo, animador de shows em boates e na TV, foi âncora de jornal e, como tudo em que punha seu carioquíssimo olha de moleque, humorista é o que bem sintetiza o seu currículo.

 

Essa relação com o acontecimento menor e o prosaico e, ao mesmo tempo, com o inusitado da vida do homem comum, serve de base para os cronistas desenvolverem seus textos.

 

Quem escreve crônica sabe desta condição, mas isso não impede ou impediu que o lugar do cronista, de observador do social, do homem comum que escreve com graça ao longo da história, fosse ocupado por grandes jornalistas/escritores, escritores/jornalistas, ou, como queiram chamar José de Alencar, Machado de Assis, Carlos Drummond de Andrade, João do Rio, Fernando Sabino, Tarsila do Amaral, Rubem Braga, Nelson Rodrigues, Luis Fernando Verissimo, Mario Prata, entre tantos outros que escreveram memoráveis histórias.

 

Em seus afazeres, esses autores marcam a relação da crônica com as esferas discursivas, da história, do jornalismo e da literatura, e este pode ser um dos fatores que a fazem tão querida por seus leitores.

 

Assim, no final do século XX e início do século XXI as crônicas são adaptadas para os meios audiovisuais, publicadas em blogs, dando continuidade ao que lhes é constitutivo: permanecer em movimento, confrontando a história, o jornalismo e a literatura.

 

Talvez o sentido da crônica brasileira seja este: causar o estranhamento, desestabilizar, fazer do incerto seu tempero mais genuíno e, em sua errância, buscando outros discursos para participar de sua trama. Contemporaneamente, sem o descarte do papel, na perenidade do mundo digital.

 

Contudo também parece equivocado afirmar que a crônica moderna (tendo como seus expoentes Rubem Braga e Carlos Drummond de Andrade) seja influenciada e representante do movimento de 1922.

 

Segundo Guimarães Rosa, Antônio Torres era dono de "pena e estilo sem ferrugem" e foi um implacável crítico da vida carioca na segunda e terceira décadas do século XX. Sua aguçada verve e talento fizeram dele autor de registros importantes dos costumes da época feitos com muita graça e inteligência. E, mesmo passado um século, não fora esquecido. Quando o movimento modernista estouro, publicou outra coletânea de crônicas, "Prós e contras" de 1922, a que se seguiu "As razões da inconfidência, de 1925" com enorme sucesso de vendas. De sua obra em circulação, se encontra hoje apenas a edição Antônio Torres, uma antologia, publicada pela editora Topbooks, com excelente organização e estudo introdutório de Ral de Sá Barbosa.

 

A entrada de Maria Julieta Drummond de Andrade (filha do poeta do século XX) no mundo das crônicas marcou sua última década de vida. E, os leitores puderam acompanhar textos delicados e bem-humorados, sempre aos sábados, no Segundo Caderno do jornal “O Globo”. Porém, durou pouco o début público. A futura cronista logo dirigiu sua vida profissional para longe dos holofotes editoriais, fincando-se na Argentina por quase três décadas.

 

Oswald e Mário de Andrade não obtiveram maior retorno através de crônicas, apesar de terem produzido também este gênero. Além deste fato, ao afirmar que a crônica se consolida quando moderna, matamos automaticamente nomes como João do Rio e Machado de Assis.

 

Massaud Moisés em sua “História da Literatura Brasileira” (1989) propõe um terceiro momento do movimento modernista, sendo ainda este divido em três: 1945 a 1960 com as vanguardas, 1973 com a obra “Avalovara” de Osman Lins e o terceiro daí em diante.

 

O autor reconhece que neste movimento a “revolução” formal foi feita através da poesia, porém foi com a prosa que se logrou efeitos mais convincentes e mais duradouro, decerto porque movido por anseios menos experimentalistas, ou porque, presa por condição a realidade concreta, soube evitar o fascínio enganador de vanguarda pela vanguarda, do novo pelo novo. (Moisés 1989).

 

Dado que a função da crônica não é a de informar, sua relação mais próxima com o jornal está com o fato diário, fato este que se torna mote do cronista. Cabe avaliar em cada cronista se este mote é o que sufoca a crônica ao papel degradável do jornal.

 

Quando lemos este gênero buscamos uma leitura breve, agradável, com fluência. Busca esta que encontramos também nos textos jornalísticos, exceto pelo já exposto: informação. André Simões (2009) arrisca ao afirmar que estes elementos são os contribuintes para a decadência da crônica, já que os outros textos jornalísticos incorporaram a função do entretenimento. No entanto, não só de temas leves tratou Rubem Braga, basta lembrar de crônicas como “Os mortos de Manaus”.

 

Otto Lara Resende foi um cronista tardio. Mas, desde a juventude publicou crônicas, ao sabor de convites de revistas e jornais. Em colaboração regular, só se engajou no gênero a menos de dois anos de morrer das sequelas de uma cirurgia de coluna. Relutante, estreou na “Folha de S.Paulo” em primeiro de maio de 1991, data em que já tinha sessenta e nove anos. A coluna de estreia teve como título "Bom dia para nascer" - bom não por ser o Dia do Trabalho, explicou ele com bom humor muito peculiar, mas por ser feriado. A última crônica foi "Águia na cabeça" que foi publicada em 21 de dezembro de 1992, uma semana anterior ao seu óbito.

 

Raquel de Queiroz não tinha vinte anos quando publicou o romance "O quinze" e entrou definitivamente para a história dos grandes da literatura brasileira. Mas afirmava que não era romancista. Os meus romances é que foram maneiras de eu exercitar meu ofício, o jornalismo.

 

Contrariamente à produção dos jovens de sua época que iniciaram a carreira ancoradas nos floreios típicos, ela tratou de temas sociais em prosa vigorosa e enxuta. Forjou-se assim a cronista que morava no Rio de Janeiro, e tinha uma crônica semanal na lendária "Última Página", na Revista Cruzeiro. Foram trinta anos ininterruptos de fidelidade ao periódico, que despejava mais de cem mil exemplares em todo o Brasil.

 

Em artigo intitulado "Raízes e flores" homenageou nos seus oitenta anos, em 1990, Otto Lara Resende e lembrou a filiação de Rachel ao partido comunista na década de 1930 e apoio ao regime militar em 1964.

 

Paulo Mendes Campos foi um dos grandes mestres da crônica brasileira, além de ser um poeta de alta qualidade, passou grande parte da vida na batalha para coordenar com harmonia, as duas frentes, conforme disse em entrevista: a necessidade instintiva de escrever poemas com a realidade objetiva de sobreviver da minha máquina de escrever.

 

Morto por um AVC aos sessenta e nove anos, toda a sua obra de cronista e, incluídos inéditos, seria organizada, por critério temático pelo jornalista Flávio Pinheiro, e editada pela Companhia das Letras, dela fazem parte, até agora, “O amor acaba”. “O mais estranho dos países”, “Cisne de feltro” e, sem a participação de Pinheiro, Diário da Tarde, e Primeiras Leituras, seleta cujo interesse não se limita ao público jovem para a qual for prioritariamente concebida.

 

Enfim, a intimidade, a história do cotidiano, a percepção dos sentidos e evolução social são percebidos pelas crônicas que atravessam o tempo por gerações e são publicadas em jornais, revistas, livros e antologias, que traduzem um movimento de linguagem e discurso.

 

Jurandir Ferreira foi contista, cronista e romancista de elevado apuro formal, além de crítico literário que era leve e sedutor. E, se dividiu entre as atividades de intelectual e farmacêutico. Publicou seu primeiro romance, “O céu entre montanhas”, em 1948 e, no ano seguinte estreou na poesia com verbos de Fábulas. Não satisfeito com a condição de autor, a partir de 1953 passou a assinar o rodapé literário no Diário de Poços de Caladas, em que fazia uma crítica impressionista marcada por um tom confessional.

 

Foi em 1991 que o Instituto Moreira Salles editou o livro dde crônicas Da quieta substância dos dias, e, em 1993, em coedição com a Editora Nova Alexandria, o romance Um ladrão de guarda-chuvas, com o qual o autor ganhara o Prêmio Guimarães Rosa, instituído pelo governo de Minas Gerais.

 

No final do século XX e começo do século seguinte, as crônicas são adaptadas para meios audiovisuais e mídias digitais e são publicadas em blogs dando maior disseminação, e busca outros discursos para compor sua trama. Na perenidade do mundo digital eternizam a rotina de dias concretos e, por vezes, até bastardos.

 

 

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GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 28/09/2024
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