Cenas do Natal

Cai mansa e fina a chuva nas calçadas e nos campos, tardia e sem hora, sem qualquer compromisso. A neve, enfeita as manhãs enfumaçadas e as árvores iluminadas pelo hemisfério Norte, enquanto é sombria a noite pelos desertos, enlevada apenas por um triste assobio do vento. Foi numa noite destas, enquanto camelos descansavam de um longo dia de jornada, viageiros interrompiam a caravana, entre nozes e castanhas, livrando-se da fadiga do sol causticante, é que surgiu uma estrela anunciando o mais memorável acontecimento da Humanidade.

O político discute com a mulher de quem não tem estrela na testa para ser convidado a ministro, a menina maltrapida, quase sem roupa e sem esperança se ressente à porta da casa de não ter sido convidada para o banquete. Não se sente incomodada, mas os convidados, ornados de linhos e sedas percebem que a pobreza, finalmente, incomoda.

O décimo terceiro há de sobrar para qualquer lembrancinha para o sexto filho, e mais o afilhado que todo ano se lembra da gente e nem se pode esquecer de retribuir os cartões de Natal. Afinal, presente não é o intrínseco da coisa, é essencialmente o gesto.

E, ainda tem aqueles casamentos pomposos e demorados de fim de ano, de quem não deu para se casar em maio ou setembro, mas preferiu acumular as esperanças de ano-novo, vida-nova. Sem falar nas formaturas, rasgados e insólitos discursos do paraninfo, entrecortados de palmas quase sem sentido e no sacrifício do sapato novo sempre apertando os calos durante toda a cerimônia.

Paraguai é ali mesmo, abarrotado de quinquilharias importadas, até o Mercosul dar jeito da gente se acostumar com os blusões de couro e perfumes suaves da Argentina. O vinho chileno está fora do tratado, injustamente, pois já é tempo de se esquecer dos descalabros das milícias de Pinochet. Os monumentos de Santiago e os inventados nas encostas geladas das cordilheiras chilenas, jamais fizeram parte daquele nojento arsenal.

Os ônibus estão lotados para quem quer até o final do ano chegar em casa para o calor dos parentes e, não há quem anda cheio dos doze meses de surpresas, de horários políticos, de inflação galopante, de traições e golpes, de despedidas. Os fuzís, certamente, não vão se silenciar ainda. Nem o falatório, a calúnia, as injustiças, as malversações. Quem sabe, um dia, da barriga da mãe-Pátria, nasçamos de novo para uma vida nova, ainda mais próxima dos sonhos e aspirações.