Ei vi Deus
Vi o louco catando no lixo os restos de comida e bebida de um fim de festa.
Senti-me o louco aparando as migalhas de paz e solidariedade da Humanidade. Aquela mesma que, há algum tempo atrás do cão o melhor amigo do homem, no laboratório o transformou no maior inimigo, um bitibull para aniquilar o seu próprio dono. Enquanto isso, não faz muito tempo, naquele desastre na descida da serra pessoas apanhavam restos de pertences das vítimas, saqueando até as dentaduras pelo chão.
Vi, no cemitério sombrio e solitário, poucas pessoas levando o caixão, um féretro em dia incerto, santificado, Feriado Nacional, enquanto os outros se perdiam na ressaca do vinho, da cerveja, da cachaça da manhã seguinte. Mesmo assim, os poucos parentes em volta do caixão nem davam conta de segura-lo, tendo de usar de mãos emprestadas, a espontaneidade de algum por perto que nem sabia ao certo o que fazia naquele feriado, senão buscando lembranças num encontro de saudade de um ente próximo.
Vi os meninos na calçada, escorando seus corpos uns nos outros, maltrapidos e se protegendo quem sabe do frio, da solidão, da incerteza e senti aqueles corpos num só cheiro, num só calor, sem medo e sem também vontades de ser feliz, contentando-se, quem sabe, com um abrigo seguro, mesmo sem tapetes espalhados pelas salas, lareiras, candelabros, ricos adornos na cama.
Senti-me o menino cansado da infância que não teve, da desilusão da realidade sem muito para oferecer, sem quase nada para se dar.
Vi Deus. Sem dúvida, acredito, vi o Senhor derretendo as geleiras da indiferença, curando o louco, ressurgindo o morto, amparando os meninos de rua.
Vi Deus, naqueles adolescentes da Toca de Assis, enfiados no tosco tecido semelhante a saco de linhagem, sandálias rasas e pés no chão da realidade e que incomodam tanta gente por onde passam e são esquecidas as falsidades, a indiferença e os escândalos que assolam o País. O julgamento da filha que assassinou os pais fica para depois, assim como dos investigados nos escândalos, assim como os injustiçados que em qualquer lugar apodrecem na cadeia ou no esquecimento.
Vi Deus em mim, me protegendo da insanidade do louco, não me transformando em defunto nem me criando menino de rua de ontem e me fazendo a prostituta, o drogado, o assaltante de amanhã.
Vi e senti, que nas mãos de Deus, muito se alcançará, muito se encontrará, apesar do muito pouco que a Humanidade tem feito para chegar a Ele.
Jesus nasceu para nos salvar. E, nos tem salvo a todo momento das amarguras da vida e nos dando coragem para não nos deixar loucos, mortos na agonia, abandonados pela sorte.