Puxa Vida!
Nada como uma saída, mesmo que seja para ir sentar num banco de praça, para, quase sempre, garimparmos nos rios da vida, matérial para crônicas.
Durante quatro semanas, a cidade fora castigada com temperaturas de um dígito e chuva miúda e constante. Enfim, um dia ensolarado, temperatura próxima dos quinze. Então, uma caminhada curta até a praça central, procurar lugar para sentar e se deixar, como jacarés, inerte ao saudoso toque de raios mornos e dourados.
Assim como eu, imagino que a maioria dos aposentados fizeram o mesmo, pois os bancos estavam todos ocupados. Um senhor sentado no meio do banco, como se anunciasse: “não quero ser incomodado” e, mesmo assim, pedi licença.
Para minha surpresa, acomodou-se mais para uma das extremidades e, mal sentei, como de costume local, a pergunta, de que família? Ou seja, qual o seu sobrenome. Prontamente, lhe disse não ter nenhum sobrenome conhecido, pois sou imigrante, como há algum tempo foram seus ancestrais italianos.
Mais perguntas as quais, logo que cheguei nesta cidade, as interpretava como “incontrolável desejo de saber da vida do próximo” e não as respondia. Somente depois de satisfeito o interrogatório básico e costumeiro, narrou o caso, que transformou Sr. Giuseppe, 81 anos filho de imigrantes de Vicenza, norte da Itália, em colaborador, coautor.
Senhor Giuseppe assim iniciou sua narrativa: “todo sábado meu filho mais velho vem com o neto e me apanha em casa, para irmos á uma feira orgânica, que fica na cidade vizinha, a uns quarenta minutos de carro daqui”. E continuou:
“Meu filho acabara de trocar o carro e era o primeiro sábado que nele pegava carona. Meu neto com treze anos, no banco da frente e super interessado em entender os comandos desses novos painéis, que lembram os de aeronaves”.
“Meu filho, sabendo de meu prazer em ouvir música e querendo mostrar a grande diferença ao carro anterior com mais de vinte anos de uso, apertou num comando e ordenou: ”spotfy Peppino Di Capri” e a Inteligência Artificial, por meio de sua Atendente: “não entendi sua pergunta”. Meu filho repete:”spotfy Peppino Di Capri” e, mais uma vez: “não entendi sua pergunta”, a Atendente Virtual responde”.
“Meu filho seguindo aconselhamento de meu neto, nosso consultor para assuntos tecnológicos modernos, insiste, dessa feita, trocando o interprete: :”spotfy Sergio Endrigo” e a Atendente Virtual responde: “não entendi sua pergunta”. Mais uma vez a pergunta e outra vez, a mesma resposta”.
“Aí, em solidariedade ao neto e ao filho e bastante irritado com toda aquela parafernália tecnológica, que não conseguia o resultado das viagens anteriores, quando se escolhia um CD e o inseria no tocador, berrei do banco de trás: “filhão, ela não responde porque é burra, muito burra”.
“Sorrisos. E meu neto, mal iniciara defesa em favor da Atendente Virtual, foi interrompido com pedido de meu filho, para que procurasse um CD e utilizasse a alternativa tradicional. Enquanto isso, fui assustadoramente surpreendido, a Atendente Virtual, que a imaginava fora de cena, ressurge e, num tom emocional de magoada, reage aos meu insulto: “puxa vida, puxa, vida”.
Sinalizei ao Sr. Giuseppe, num riso rasgado, que seu caso havia agradado bastante. Ao perceber minha despedida, apressou-se em interrompê-la complementando o caso: “meu neto, agora, sempre que tem oportunidade, faz piada comigo, exclamando: “puxa vida, vovô!”.
Sr. Giuseppe: obrigado pela companhia e pela conversa jogada fora. Espero reencontrá-lo, puxa vida!