Ode ao Desassossego

Sempre volto a ler Fernando Pessoa. E sempre fico apaixonado como se fosse a primeira impressão recebida dos versos eternos. Em seu poema Tabacaria, ele desenhou numa contemplação, aquilo que a humanidade dos introvertidos jamais extinguiu. É possível extinguir a imaginação? Questiono-me em amiúdes espasmos de consciência olhando à paisagem do céu. O poeta lusitano passou pelo modernismo sobre o signo da dúvida e do mal-estar, pela vivência das coisas sonhadas. Identifico-me instantaneamente o que sentia Pessoa: viver o não vivido; imaginar universos paralelos possíveis sem os ter vivido. Somos irmãos divididos em épocas e nações distintas, ainda que semelhantes. Ou será que há qualquer lastro de coerência afirmar isto? Nos versos: “Cem mil cérebros em sonhos gênios como eu, / E a história não marcará, quem sabe,? nenhum, / Não haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.”, a sinceridade de Pessoa escancarou-se. Seria eu um mero imitador de conquistas bem longínquas da realidade? Tornei-me incubado de perguntas que em vários momentos tornaram-se esquisitas.

Estudei sobre sua biografia, e toda sua trajetória demonstra uma essência poética que jamais presenciei. Desde o nascimento até à morte: sua mãe Maria Madalena, quando o pariu, logo em seguida foi à janela de um sobrado em Lisboa e exclamou: “Bendito é o mundo que vai conhecer o meu filho!”; não há quintessência poética mais clara. A metafísica da má disposição intriga-me, como ele bem explorou; principalmente pelo fato de não sabermos nada da vida. Tem dias que olho as paredes e imagino poesias indispostas como se estivesse cansado. Nada há de me cansar na vida real, mas quando vou nas confusões do pensamento filosófico, o desassossego absorta-me.

Apesar da sensatez que carregou Pessoa, em vida, quando olho nossas semelhanças de pensamentos, chego a ficar triste. Esta é a máxima consequência romântica que posso ter sobre alguém, tristeza. Nada mais me preenche na literatura do que tristeza. Ou melhor, desassossego, uma das palavras mais recorrentes na alma de Pessoa, inclusive, parte de sua joia literária, O Livro do Desassossego, obra à qual sou fascinado. Releio como se lesse a Bíblia Sagrada.

No meu dia a dia não sei o que as coisas serão, mas acontece que o apreço de escrever não apenas em versos, mas imaginando-os em sonhos longínquos, faz-me mais do que abençoado. Ele me faz distante. Distante da paz real, concreta como o mármore das obras de arte, perpétua como o inferno de estar disposto às descobertas do cosmo.

Reirazinho
Enviado por Reirazinho em 03/08/2024
Reeditado em 03/08/2024
Código do texto: T8120776
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